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MODELO DE DOUTRINA – LEI PARTIDÁRIA

MODELO DE DOUTRINA – LEI PARTIDÁRIA

Francisco Márcio de Oliveira

Especialista em Direito Eleitoral pela UNISUL/LFG. Bacharel em Direito pela UERN Professor de Direito Eleitoral da Faculdade de Ciências e Tecnologia Mater Christi Servidor do TRE-RN 

RESUMO

O art. 14, 3º, inciso V da Constituição Federal instituiu a filiação partidária como condição para aqueles que pretendem concorrer a cargos eletivos. A Lei nº 9.906/95 disciplinou em parte a forma de filiação e desfiliação partidária, prescrevendo, no parágrafo único do art. 22, que ocorrendo a dupla filiação ambas serão consideradas nulas para todos os efeitos.

O texto discorre sobre a problemática da filiação partidária tendo como estudo de caso Ações de Impugnações de Registro de Candidaturas a candidatos às eleições municipais de 2012, no município de Mossoró/RN. Conclui-se demonstrando que potenciais candidatos tem sido excluídos do processo eleitoral por desobediência aos dispositivos da Lei dos Partidos Políticos, especificamente a dupla filiação, que, configurada a ocorrência, significa ausência de condição de elegibilidade, nos termos do art. 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal.

PALAVRAS CHAVES

Direito Eleitoral; Filiação Partidária; Dupla Filiação.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O art. 1º da Constituição Federal – CF de 1988 consagrou o pluralismo político como um dos Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil, sendo um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Barile (1984, p.105, apud MORAIS, 2012, p.14) assim define Estado Democrático de Direito:

“Estado Democrático de Direito significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais.”

O próprio texto constitucional esclarece o princípio democrático ao afirmar que:

“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.” (CF, art. 1º, parágrafo único, grifo nosso).

Fica evidente que a participação do povo é indispensável para a construção e fortalecimento do Estado Brasileiro, sendo as eleições livres e periódicas, uma das principais formas de exercício da democracia representativa, que foi plenamente estabelecida pela ordem constitucional.

Os Partidos Políticos, por sua vez, são peças necessárias e importantes para a concretização da democracia representativa e mesmo do Estado Democrático de Direito, uma vez que é a partir deles que se viabiliza o acesso aos cargos eletivos.

A principal prova da importância dos Partidos Políticos na ordem constitucional brasileira é a plena autonomia outorgada pelo legislador constitucional, que lhes atribuiu total liberdade de:

“Criação, fusão, incorporação e extinção […] resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana […].” (CF, art. 17, caput).

Ainda no art. 17, § 1º, a CF assegura:

“Partidos Políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias.”

Dessa forma cuidou o texto constitucional de fortalecer a “autonomia dos Partidos Políticos, diminuindo extraordinariamente o controle do poder público sobre eles” (MORAIS, 2012, p.266), o que é plenamente justificado, visto que o controle do poder público sobre os Partidos Políticos limitaria seu poder de atuação, atitude inconciliável com os ditames do Estado Democrático de Direito e do Pluralismo Político.

O controle do poder público sobre os partidos políticos já produziu episódios negativos na vida política brasileira, especialmente no período da ditadura militar, na qual vigia o sistema de bipartidarismo, com o controle ideológico e filosófico do governo sobre os partidos existentes.

Reforça ainda a importância dos Partidos Políticos na nova ordem constitucional a elevação da filiação partidária como exigência constitucional para a candidatura a cargos eletivos, impondo ao candidato a intermediação de alguma agremiação partidária para o acesso aos cargos eletivos.

“Ninguém pode concorrer avulso sem Partido Político (CF, art. 17). A capacidade eleitoral passiva exige prévia filiação partidária, uma vez que a democracia representativa consagrada pela Constituição de 1988 inadmite candidaturas que não apresentem a intermediação de agremiações políticas.” (MORAIS, 2012, p. 239).

O Código Eleitoral Brasileiro (Lei nº 4.737/65), no seu art. 8º, caput, já previa a exigência de filiação partidária para a candidatura a cargos eletivos, o que foi plenamente recepcionado pela Constituição Federal, que, inclusive, descreveu todos os requisitos de elegibilidade, que passaram a ser tratados como matéria de ordem constitucional.

A questão que se coloca, e que é tratada neste artigo é como a legislação infra-constitucional trata a questão da filiação partidária e como os órgãos jurisdicionais eleitorais tem julgados questões associadas, especialmente quando se trata de duplicidade de filiações, ante ao princípio constitucional da autonomia partidária (CF, art. 17, caput, § 1º), o princípio fundamental do pluralismo político (CF, art. 1º, V) e a necessidade de fidelidade e disciplina partidária (art. 17, § 2º), sem restringir o acesso dos cidadãos aos cargos eletivos.

FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

Não há na doutrina mais aceita uma definição formal do que seja filiação partidária, uma vez que é bastante intuitivo o significado do termo. Pode-se, no entanto dizer, que filiação partidária é o ato pelo qual um cidadão, em pleno gozo dos direitos políticos, se inscreve nos quadros de uma agremiação partidária, emitindo atestado público que concorda com a sua ideologia e filosofia político-administrativa, que se submete aos preceitos internos de organização e funcionamento e que se compromete a zelar pela disciplina e fidelidade partidárias.

Especialmente em virtude do princípio da autonomia dos Partidos Políticos não há previsão legal de como proceder à filiação em determinado Partido, ficando a cargo de cada um definir os critérios e formas no seu próprio estatuto, disciplinando a legislação tão-somente as exigências mínimas, que são 2 (duas): que o interessado seja eleitor e que esteja em pleno gozo dos direitos políticos (LPP – Lei dos Partidos Políticos, Lei nº 9.096/95, art. 16, caput).

Uma vez que o interessado atenda às regras estatutárias do Partido a sua filiação partidária considera-se deferida para todos os efeitos (LPP, art. 17, caput), devendo o Partido fornecer ao filiado comprovante de filiação, na forma como estabelecido nas normas internas (LPP, art. 17, parágrafo único).

Ao tratar a filiação partidária de forma tão simples o art. 17 da LPP demonstra certo descaso pela questão, o que no entanto, não é a verdade.

O texto, na sua essência, carrega a garantia do livre acesso dos cidadãos aos Partidos Políticos, desde que atendidos os requisitos estatutários já estabelecidos e devidamente registrados na Justiça Eleitoral, não podendo os dirigentes criar exigências outras que não aquelas contidas no dito estatuto, o que não poderia ser diferente, uma vez que a disputa eleitoral se dá por intermédio dos Partidos Políticos. Como bem salienta Morais (2012, p. 239).

Em face da exibilidade de filiação partidária para o exercício desse direito político (elegibilidade) há que ser assegurado a todos o livre acesso aos partidos, sem possibilidade d existência de requisitos descrimina tórios e arbitrários.

Na vigência da antiga LOPP – Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 5.682/71), o controle do poder público sobre os filiados de um Partido era bem maior, uma vez que a filiação se dava pelo preenchimento de fichas fornecidas pela própria Justiça Eleitoral (LOPP, art. 63), sendo necessário o encaminhamento de todas as fichas, em 3 (três) vias, para que o órgão judiciário eleitoral competente procedesse à conferência, autenticação e o arquivamento (LOPP, art. 65, § 4º).

A atual LPP (Lei 9.096/95) extinguiu o controle por meio de fichas de filiação, cabendo ao Partido tão-somente encaminhar relações de filiados nos meses de abril e outubro, para efeito de “arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos de candidatura a cargos eletivos.” (LPP, art. 1000, caput).

“As filiações partidárias, que na vigência da antiga LOPP, eram provadas pelas “fichas de filiação”, agora constam das listas de filiados remetidas pelos Partidos à Justiça Eleitoral, em abril e outubro de cada ano. Quando o Partido não remete a lista na data fixada, permanece inalterada a lista anterior.” (CASTRO, 2012, p.116-117).

Fica evidente no texto legal que a atuação da Justiça Eleitoral com relação à filiação partidária é somente a de dar publicidade e arquivar, além de emitir certidões que comprovam a condição de filiado do interessado, cabendo ainda a ressalva que nem mesmo a ausência do nome de um filiado da lista encaminhada à Justiça Eleitoral é definitiva, uma vez que a prova de filiação “pode ser suprida por outros elementos de prova de oportuna filiação”, conforme Súmula nº 20 do Tribunal Superior Eleitoral – Tribunal Superior Eleitoral.

A Súmula nº 20 do Tribunal Superior Eleitoral visa à proteção do cidadão oportunamente filiado que não teve seu nome incluído da relação de filiados encaminhada à Justiça Eleitoral pelo Partido no prazo legal, podendo o mesmo prover prova de oportuna filiação por outros meios. O próprio texto legal prescreve que o prejudicado por desídia ou má-fé, poderá requerer diretamente à Justiça Eleitoral que reconheça a sua real situação quanto ao seu estado de filiação (LPP, art. 19, § 2º).

EXTINÇÃO DO VÍNCULO PARTIDÁRIO

Ainda na esteira da autonomia partidária e da intervenção mínima, a LPP, arts. 21 e 22, delimitou os casos de extinção do vínculo entre filiado e Partido Político, não cabendo, em nenhum deles, a participação efetiva da Justiça Eleitoral.

O filiado terá sua filiação cancelada automaticamente em caso de morte e de perda dos direitos políticos, estritamente nos casos previsto na CF, art. 15, I e IV, além de poder ter a exclusão determinada pelo partido, nos casos de expulsão, em processo partidário interno no qual seja assegurado ao filiado direito de defesa, além de outros casos expressamente previstos no estatuto partidário, devendo, neste caso, o interessado ser comunicado no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da decisão.

A antiga LOPP previa ainda a exclusão do filiado por desinteresse da atividade partidária, após ausência não justificada a 3 (três) convenções partidárias consecutivas, dispositivo que o novo texto legal não referendou, deixando a cargo de cada Partido definir em suas normas internas.

A última forma de extinção do vínculo partidário, contido na LPP, art. 21, capute parágrafo único, é aquele em que o próprio filiado manifesta interesse na desfiliação, devendo fazer comunicação escrita ao órgão de direção municipal do Partido e ao Juiz Eleitoral da Zona em que for inscrito, tornando-se o vínculo extinto para todos os efeitos após decorridos 2 (dois) dias da data da comunicação. Aqui cabe uma importante observação quanto à forma da desfiliação, devendo a mesma ser comunicada por escrito ao Partido e ao Juiz Eleitoral para que possa produzir efeito.

DUPLICIDADE DE FILIAÇÕES

Ocorre a duplicidade de filiações quando um eleitor, já filiado a um Partido Político filia-se a outro sem a observância das exigências legais, mantendo vínculo partidário com mais de um Partido.

Já visto anteriormente, o interessado em desfiliar-se deve comunicar ao Partido e ao Juiz Eleitoral para que a desfiliação possa surtir seus efeitos. Cuida essa prescrição de garantir a livre manifestação política do cidadão, que pode romper seu vínculo partidário a qualquer momento, bastando para tal a simples comunicação ao Partido e ao Juiz Eleitoral.

Muitas vezes, o cidadão desfilia-se de um partido com o intuito de filiar-se a outro, especialmente com intenção de concorrer a mandatos eletivos em eleições futuras. Ocorre que nem sempre o interessado cuida de desligar-se formalmente do seu Partido antigo, vinculando-se a novo Partido antes mesmo de extinguir a sua antiga relação partidária.

A antiga LOPP tratava a questão de modo diverso do que trata a atual LPP. Na legislação antiga, quando se verificava que um eleitor estava filiado a mais de um Partido a Justiça Eleitoral poderia determinar o cancelamento da filiação mais antiga (LOPP, art. 67, § 2º), uma vez que valia a manifestação mais recente do cidadão. Com o entendimento dado a esse dispositivo não existia a dupla filiação, uma vez que uma nova significaria necessariamente o cancelamento da antiga, extinguindo-se automaticamente o vínculo partidário.

Apesar de bastante prático, o dispositivo gerava certa confusão partidária, uma vez que o Partido não tinha o controle pleno sobre o seu quadro de filiados, já que qualquer um poderia deixar o Partido sem qualquer tipo de comunicação.

A LPP inovou neste dispositivo, entregando ao próprio filiado a responsabilidade de fazer a devida comunicação, na forma do art. 21, ao Partido e ao Juiz Eleitoral, sendo que, se não o fizer, no dia imediato ao da nova filiação, configura-se a dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos (LPP, art. 22, parágrafo único).

Cuida o dispositivo de preservar o princípio da unicidade da filiação partidária, adotada pelo Direito Eleitoral Brasileira, como bem salienta Costa (2012, p.154-155):

“Diga-se que no Direito Eleitoral Brasileiro vige o princípio da unicidade da filiação partidária, segundo o qual o cidadão só pode estar filiado a, apenas, um Partido Político. Seria absurdo se pudessem existir 2 (duas) filiações, em adesão a programas políticos diferentes, alimentando os pactos casuísticos e espúrios, realizados às vésperas das eleições, de modo a esmaecer ainda mais a necessária densidade programática e ideológica dos pactos políticos.”

De toda sorte é de bom alvitre adscrever que a filiação em outro Partido Político, como soia acontecer na vigência do art. 69, III, da Lei 5.682/71, não é mais causa de automático cancelamento da filiação partidária mais antiga, sendo, agora, causa de nulidade das filiações existentes (art. 22, parágrafo único, da LPP). Aqui há novidade digna de nota e de encômios.

Importante que se ressalte que não há na Lei a intenção de tolher o livre exercício da liberdade de manifestação política do cidadão, mas sim um disciplinamento dessa manifestação, como forma de dar conhecimento aos interessados (Partido e Justiça Eleitoral), e como forma de diminuir o caos partidário que predomina em nosso País.

“É simples: o filiado pode filiar-se a outro partido, bastando que comunique essa nova filiação ao partido ao qual está se desligando e ao Juiz Eleitoral, observando o prazo de 24 horas.” (CASTRO, 2012, p.17).

DUPLICIDADE DE FILIAÇÕES E ELEGIBILIDADE

Para uma perfeita compreensão da problemática tratada cabe discorrer sobre o conceito de capacidade eleitoral passiva, que, na definição de Castro (2012, p.111):

“É o direito de ser votado, o direito de lançar-se candidato a cargos públicos eletivos.

O mesmo autor apresenta elegibilidade como sinônimo de capacidade eleitoral passiva:

“Consistente na possibilidade de o cidadão pleitear determinados mandatos políticos, mediante eleição popular, desde que preenchidos outros requisitos.” (CASTRO, 2012, p.111).

PINTO (2012, p.19) define elegibilidade como “o direito subjetivo público de submeter alguém o seu nome ao eleitorado, visando à obtenção de um mandato”.

Não obstante o entendimento dos renomados juristas, o termo elegibilidade será tratado como o conjunto de exigências que devem ser obedecidas para que se possa concorrer a 1 (um) cargo eletivo.

Já visto anteriormente que a filiação partidária é uma das condições de elegibilidade previstas na CF (art. 14, § 3º, inciso V), devendo o interessado atender aos critérios de forma e tempo, ou seja, estar devidamente filiado a Partido Político legalmente registrado no Tribunal Superior Eleitoral, no prazo mínimo de um ano antes da data da eleição a que se deseja concorrer (LPP, art. 18).

Prescrevendo a LPP que na ocorrência de dupla filiação ambas serão consideradas nulas para todos os efeitos, a problemática adquire singular importância, uma vez que o pré-candidato enquadrado no dispositivo, há menos de 1 (um) ano da eleição, tendo suas filiações consideradas nulas de pleno direito, lhe faltará uma das condições de elegibilidade, qual seja, a filiação partidária, e não mais poderá concorrer àquela eleição.

Assim tem decidido o Tribunal Superior Eleitoral:

“Consulta. Respondida nestes termos: quem se filia a novo partido ‘deve fazer comunicação ao partido e ao Juiz da respectiva zona eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos’, nos precisos termos do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos.” NE: “A nulidade do parágrafo único do art. 22 da Lei dos Partidos Políticos, como nulidade cominada, opera-se de pleno direito, independentemente de demonstração de prejuízo.” (Res. nº 21.572, de 27.11.2003, rel. Min. Ellen Gracie, red. Designado Min Luis Carlos Madeira).

“Recurso especial. Registro de candidatura. Filiação partidária. Duplicidade. Falta de comunicação ao juízo eleitoral. Lei nº 9.096/95, art. 22, parágrafo único. 1. O parágrafo único do art. 22 da Lei nº 9.096/95 determina que a comunicação de filiação partidária a outro partido deve ser feita tanto ao Partido ao qual era anteriormente filiado quanto ao Juiz da respectiva zona eleitoral, no dia imediato ao da nova filiação, sob pena de configurar-se a duplicidade de filiação.” (Ac. Nº 20.143, de 12.000.2012, rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Restando configurada a dupla filiação o candidato poderá ter seu pedido de registro de candidatura impugnado, por ação própria, no caso a AIRC – Ação de Impugnação de Registro de Candidaturas, interposta por qualquer candidato, Partido Político, coligação ou pelo Ministério Público, no prazo de cinco dias contados da publicação do pedido de registro (Lei Complementar nº 64/90, art. 3º).

Uma vez que a ausência de filiação regularmente válida constitui-se em causa de falta de condições de elegibilidade, é a AIRC a ação mais adequada, pois, no dizer de CÂNDIDO (2012, p.135).

“Os motivos que poderão ser alegados nessas impugnações podem ser resumidos em 2 (dois) grandes grupos: 1. ausência, no candidato, de uma ou mais condições de elegibilidade; e/ou […].” (grifo nosso).

Costa (2012, p. 235) manifesta o mesmo entendimento:

“A AIRC tem cabimento para impossibilitar a concessão de registro de candidatura àquele que não atenda aos pressupostos legais (as chamadas condições de elegibilidade).” (grifo nosso).

A mesma opinião é manifestada por Ramayana (2012, p.222) quando aduz que a AIRC visa:

“(…) indeferir o pedido de registro de candidatos que não possuam condições de elegibilidade, sejam inelegíveis (hipóteses de não desincompatibilização) ou, ainda, estejam privados definitiva ou temporariamente de seus direitos políticos.” (grifo nosso).

Por se tratar de matéria de ordem constitucional (condição de elegibilidade), não incide sobre a questão a preclusão ou a impossibilidade de alegação em outra fase, uma vez que perdido o prazo em uma fase pode-se alegar em outra, o que pode ser feito por ocasião da diplomação, através do recurso contra a diplomação ou através da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME, baseando-se na ausência de filiação partidária legalmente válida.

ESTUDO DE CASO

Em complementação ao estudo bibliográfico exposto ao longo de todo o artigo foi realizada uma pesquisa de campo, na qual foram analisados os processos de registro de candidaturas às eleições municipais de 2012, no município de Mossoró, no interior do Estado do Rio Grande do Norte.

Foram impetradas 5 (cinco) AIRCs sob a alegação de duplicidade de filiações, conforme será relatado a seguir:

a) Processo nº 00070/2012

Espécie: Registro de candidatura

Requerente: Antônio Jales de Miranda

O requerente teve seu pedido de registro de candidatura impugnado por AIRC impetrada pela Coligação Mossoró Melhor, com fundamento na CF, art. 14, § 3º, inciso V, c/c LPP, arts. 21 e 22, parágrafo único, uma vez que se filiara ao Partido Verde – PV no dia 1/09/2003 e somente se desfiliara do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB no dia 26/09/2012, o que configuraria a dupla filiação. O requerente teve seu pedido de registro indeferido em primeira instância com base nos dispositivos referidos.

“EMENTA: Requerimento de registro de candidatura a vereador. Coligação Avança Mossoró. Impugnado pela Coligação Mossoró Melhor. Filiação Partidária Dúplice (PMDB e PV). Contestação opportuno tempore. Negativa de filiação a destempo. O ParquetEleitoral opina pela procedência da impugnatória e o indeferimento do registro da candidatura do impugnado. Procedência da Actio Impugnatória. Denegação do registro do impugnado.” (Sentença em 02/08/2012, Juiz Eleitoral: Francisco de Assis Amorim – 34ª Zona – Mossoró-RN).

b) Processo nº 1090/2012

Espécie: Registro de candidatura

Requerente: Agostinho Tavares da Silva Junior

O requerente teve seu pedido de registro de candidatura impugnado por AIRC impetrada pela Coligação Mossoró Melhor, com fundamento na CF, art. 14, § 3º, inciso V, c/c LPP, arts. 21 e 22, parágrafo único, uma vez que se filiara ao Partido da Frente Liberal no dia 29/09/2003, quando era filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB desde o dia 10/11/2003, o que configuraria a dupla filiação. O requerente provou que já havia sido candidato a vereador nas eleições municipais de 2012 por um terceiro partido (Partido Polar Brasileiro – PPB), sem ter recebido nenhum tipo de impugnação. Acrescentou ainda pedido de desfiliação ao PPB no dia 29/09/2003. O candidato teve seu pedido de registro deferido em primeira instância, não tendo o Juiz Eleitoral reconhecido a existência de dupla filiação.

“EMENTA: Requerimento de registro de candidatura a vereador. Coligação Força do Povo. Impugnação. Coligação Mossoró Melhor. Argüição: duplicidade de filiação (PMDB e PFL). Contestação opportuno tempore. O ParquetEleitoral opina pela improcedência da impugnatória e o deferimento do registro da candidatura do impugnado. Registro do impugnado que se defere.” (Sentença em 10/08/2012,Juiz Eleitoral: Francisco de Assis Amorim – 34ª Zona – Mossoró-RN).

c) Processo nº 1049/2012

Espécie: Registro de candidatura

Requerente: Nicodemus Fernandes Lima

O requerente teve seu pedido de registro de candidatura impugnado por AIRC impetrada pela Coligação Mossoró Melhor, com fundamento na CF, art. 14, § 3º, inciso V, c/c LPP, arts. 21 e 22, parágrafo único, uma vez que se filiara ao Partido Social Liberal no dia 02/08/2012, quando era filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB desde o dia 11/04/1995, o que configuraria a dupla filiação. O requerente provou que já havia sido candidato a vereador nas eleições municipais de 1996 e 2012 por um terceiro partido (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB), sem ter recebido nenhum tipo de impugnação. Acrescentou ainda pedido de desfiliação ao PSDB no dia 18/05/2012. O candidato teve seu pedido de registro deferido em primeira instância, não tendo o Juiz Eleitoral reconhecido a existência de dupla filiação.

“EMENTA: Requerimento de registro de candidatura a vereador. Coligação Unidos para Vencer. Impugnação. Coligação Mossoró Melhor. Argüição: duplicidade de filiação (PMDB e PSL). Contestação tempestiva. O ParquetEleitoral opina pela improcedência da impugnatória e o deferimento do registro da candidatura do impugnado. Registro do impugnado que se defere.” (Sentença em 0000/08/2012,Juiz Eleitoral: Francisco de Assis Amorim – 34ª Zona – Mossoró-RN).

d) Processo nº 1052/2012

Espécie: Registro de candidatura

Requerente: Francisco de Assis Andrade

O requerente teve seu pedido de registro de candidatura impugnado por AIRC impetrada pela Coligação Mossoró Melhor, com fundamento na CF, art. 14, § 3º, inciso V, c/c LPP, arts. 21 e 22, parágrafo único, uma vez que se filiara ao Partido Social Liberal – PSL no dia 21/06/2012, quando era filiado ao Partido Progressista – PP desde o dia 29/09/2012, o que configuraria a dupla filiação. O requerente provou ter pedido a desfiliação do Partido Progressista Brasileiro – PPB, um dos partidos que originou o atual PP, no dia 03/08/2012. O candidato teve seu pedido de registro deferido em primeira instância, não tendo o Juiz Eleitoral reconhecido a existência de dupla filiação.

“EMENTA: Requerimento de registro de candidatura a vereador. Coligação Unidos para Vencer. Impugnação. Coligação Mossoró Melhor. Arguição: duplicidade de filiação (PP e PSL). Contestação tempestiva. O Parquet Eleitoral opina pela improcedência da impugnatória e o deferimento do registro da candidatura do impugnado. Deferimento do registro da candidatura.” (Sentença em 10/08/2012,Juiz Eleitoral: Francisco de Assis Amorim – 34ª Zona – Mossoró-RN).

e) Processo nº 1004/2012 – 34ª ZE

RE nº 4609/2012 – Tribunal Regional Eleitoral-RN

RESPE nº 23.401/2012/TSE

Espécie: Registro de candidatura

Requerente: Gilvanda Peixoto Costa

Este é o caso mais notório, tendo se estendido até mesmo depois da apuração e divulgação dos resultados, o que gerou bastante controvérsia nos meios políticos da cidade de Mossoró.

O requerente teve seu pedido de registro de candidatura impugnado por AIRC impetrada pela Coligação Mossoró Melhor, com fundamento na CF, art. 14, § 3º, inciso V, c/c LPP, arts. 21 e 22, parágrafo único, uma vez que se filiara ao Partido da Frente Liberal – PFL no dia 25/09/2003, quando era filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro desde o dia 21/02/1992, o que configuraria a dupla filiação. O requerente alegou que era filiada ao Partido Progressista – PP desde 2012, motivo pelo qual, sendo verdadeira a não desfiliação ao PMDB, seria esta a filiação a ser anulada juntamente com a do PMDB, e não a do PFL que é bem mais recente. O candidato teve seu pedido de registro negado em primeira instância pelo Juiz Eleitoral em 13/08/2012, conforme ementa a seguir:

“EMENTA: Requerimento de registro de candidatura. Cargo de vereador. Coligação Força do Povo. Impugnação. Coligação Mossoró Melhor. Argüição: duplicidade de filiação (PMDB, PP e PFL). Contestação in opportuno tempore. O Ministério Público Eleitoral opina pela procedência da actio impugnatória e o indeferimento do registro da candidatura do impugnado. Tríplice filiação. Procedência parcial da impugnação. Indeferimento do registro de candidatura.” (Sentença em 13/08/2012,Juiz Eleitoral: Francisco de Assis Amorim – 34ª Zona – Mossoró-RN).

Inconformada com a decisão a candidata recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral que conheceu o recurso e lhe deu provimento, reformando a sentença do Juiz singular e deferindo o registro da candidata.

“EMENTA: RECURSO ELEITORAL – INDEFERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA – DUPLICIDADE DE FILIAÇÃO NÃO-CONFIGURADA – DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA COMUNICADA AO JUIZ ELEITORAL – PERMANÊNCIA DO NOME NA LISTA REMETIDA À JUSTIÇA ELEITORAL – CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO.” (Acórdão nº 4.60000, de 30.08.2012, rel. Juiz Ibanez Monteiro da Silva).

A decisão do Regional foi recorrida tendo sido negado seu seguimento pelo relator Ministro Carlos Eduardo Caputo Bastos do TSE, em 08/10/2012, sendo ainda interposto Agravo de Regimento, também negado em 13/10/2012, tendo transitado em julgado em 16/10/2012, 13 (treze) dias após a data das eleições e da divulgação dos resultados.

Apesar de ter sido mantida como candidata e diplomada como vereadora ao final de todo o processo, a requerente passou toda a campanha na incerteza de ser ou não realmente candidata, uma vez que havia o indeferimento em primeira instância. Um outro aspecto a ser considerado é que, pelo entendimento do TSE, como a candidata tinha seu registro de candidatura negado em primeira instância ela não teria seus votos considerados válidos inicialmente, somente sendo computados após o trânsito em julgado da lide. Tal entendimento gerou intensa apreensão, uma vez que haveria alteração no quadro de vereadores inicialmente proclamados eleitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de ser relativamente nova, pouco mais de 10 (dez) anos, a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) já orientou a conduta dos Partidos ao longo de 5 (cinco) eleições (municipais de 1996, 2012 e 2012; gerais de 1998 e 2012), o que, no entanto, não significa que seja devidamente conhecida e observada pelos partidos e potenciais candidatos, especialmente no que diz respeito às formas de filiação e desfiliação, sendo comuns casos de impugnações de registros de candidaturas por duplicidade de filiações, com enquadramento no parágrafo único, art. 22 da LPP.

A alegação de ausência de elegibilidade por falta de devida filiação partidária, conforme exigência do art. 14, § 3º, inciso V da Constituição Federal, considerando que o envolvido em dupla filiação terá ambas consideradas nulas para todos os efeitos, tem sido bastante frequente, especialmente nas eleições municipais, em que a quantidade de candidatos é bem maior em todo o país, levando candidatos a terem seus pedidos de registros negados, conforme mostrado no relato do Processo 970/2012, ou mesmo impondo aos mesmos conviverem com a incerteza da candidatura por uma campanha inteira, conforme mostrado no relato do RESPE 23.401/2012.

Cabe por fim ressaltar a displicência, ou mesmo descaso, com que partidos e potenciais candidatos tratam a questão da disciplina e fidelidade partidária, vigendo um verdadeiro caos de transferências e mudanças partidárias em vésperas do encerramento do prazo final, sempre ocorrendo com desrespeito ou inobservância à legislação pátria.

Não será pleno o Estado Democrático de Direito, com fundamento no Pluralismo Político enquanto persistirem tais práticas, que devem ser coibidas pela legislação e pela Justiça Eleitoral, que não podem se abster de interferir em nome da autonomia partidária.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto promulgado em 5 de outubro de 100088, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1/0002 a 42/2003 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/0004. Brasília: Senado Federal/SET, 2012. 436p.

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CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 11.ed. Bauru, SP: Edipro, 2012. 608p.

CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Mandamentos, 2012. 470p.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2012. 863p.

PINTO, Djalma. Direito Eleitoral. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 3.ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012. 591p.

Autor
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Eduardo Koetz

Eduardo Koetz é advogado, escritor, sócio e fundador da Koetz Advocacia e CEO da empresa de software jurídico Advbox.

Possui bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Possui tanto registros na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (OAB/SC 42.934, OAB/RS 73.409, OAB/PR 72.951, OAB/SP 435.266, OAB/MG 204.531, OAB/MG 204.531), como na Ordem dos Advogados de Portugal - OA ( OA/Portugal 69.512L).
É pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2011- 2012) e em Direito Tributário pela Escola Superior da Magistratura Federal ESMAFE (2013 - 2014).

Atua como um dos principais gestores da Koetz Advocacia realizando a supervisão e liderança em todos os setores do escritório. Em 2021, Eduardo publicou o livro intitulado: Otimizado - O escritório como empresa escalável pela editora Viseu.