o que é estado de necessidade

Estado de necessidade: o que é, quais os tipos e exemplos

Estado de necessidade é quando um indivíduo pratica o fato criminoso para salvar de perigo atual, que não foi provocado por sua vontade, nem podia evitar, direito próprio ou alheio, em que o sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável de se exigir.

Em outras palavras, o estado de necessidade existe quando alguém, para salvar um bem jurídico próprio ou de terceiro, exposto a uma situação de perigo, alcança outro bem jurídico, estando o assunto disposto no artigo 24 do Código Penal.

Quer entender melhor o estado de necessidade? Confira mais sobre a temática e veja alguns exemplos no artigo a seguir!

O que significa estado de necessidade?

Em resumo, o estado de necessidade é um conceito jurídico referente a uma situação em que uma pessoa se vê obrigada a agir de uma determinada maneira para proteger um bem jurídico, como a vida, a saúde ou a propriedade, mesmo que essa ação envolva a violação de uma norma legal. Desse modo, é uma circunstância em que a pessoa age em defesa de um interesse maior ou de um valor que considera mais importante do que a norma que está sendo infringida.

No âmbito do direito penal, o estado de necessidade é considerado uma causa de exclusão da ilicitude. Ou seja, a pessoa que age em estado de necessidade não é punida por ter cometido um ato que, sob outras circunstâncias, seria considerado criminoso. 

O que configura o estado de necessidade?

O estado de necessidade é considerado uma causa de exclusão de ilicitude, desta forma, se estiver presente, retira-se o caráter antijurídico que é designado a um fato tipificado como crime.

Com isso, é visto como um direito subjetivo disponibilizado pelo Estado por meio de certa norma penal. Confira o que está exposto no artigo 24 do Código Penal sobre o tema!

Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

Ameaça a direito próprio ou alheio

Quer dizer que o agente pode atuar para deter lesão a bem jurídico seu ou de terceiro, não sendo preciso qualquer tipo de relação entre eles.

Existir um perigo atual e inevitável

O perigo atual é aquele que está ocorrendo. Mesmo o Código Penal não mencionando de forma expressa, parcela da doutrina e jurisprudência vêm admitindo o estado de necessidade no caso de perigo iminente, que é aquele que está prestes a acontecer, contudo, essa posição não é pacífica.

Inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado

Significa que a lei não exige do agente que sacrifique o seu bem jurídico para preservar o bem jurídico de terceiro. Deve ser ponderada a proporcionalidade entre o interesse ameaçado e o interesse sacrificado.

Situação não provocada de modo voluntário pelo agente

Quer dizer que o agente não pode invocar o estado de necessidade, quando tenha causado a situação de perigo voluntariamente. A expressão “voluntariamente” utilizada pela lei indica dolo.

Inexistência de dever legal de enfrentar o perigo

Significa que o agente não pode invocar o estado de necessidade para a proteção de seu bem jurídico, quando tenha o dever legal de enfrentar a situação de perigo.

O conhecimento da situação de fato justificante

Quer dizer que o estado de necessidade requer do agente o conhecimento de que está agindo para salvaguardar um interesse próprio ou de terceiro.

Quais são as espécies de estado de necessidade?

De modo geral, o estado de necessidade pode ser classificado em diferentes espécies com base em critérios como titularidade, elemento subjetivo do agente e a pessoa que sofre a ofensa. Confira um pouco mais sobre cada um desses critérios abaixo.

Quanto à titularidade

Primeiramente, o Estado de Necessidade Privado ocorre quando o agente age para proteger um bem jurídico próprio, como a sua vida, saúde ou propriedade. Por exemplo, alguém que invade uma propriedade alheia para se abrigar de um perigo iminente (como uma enchente).

Já o Estado de Necessidade Público está relacionado à situação em que o agente age em defesa de bens jurídicos de terceiros ou da coletividade. Um exemplo é quando alguém realiza uma ação que causa danos a propriedades alheias para proteger a vida de uma pessoa em situação de risco.

Quanto ao elemento subjetivo do agente

O Estado de Necessidade Doloso acontece quando o agente tem a intenção de causar um dano, mas age em estado de necessidade. Por exemplo, alguém que causa danos a um veículo para salvar outra pessoa, mesmo sabendo que a ação pode ser considerada ilícita.

Por sua vez, o Estado de Necessidade Culposo ocorre quando o agente não tem a intenção de causar dano, mas age de forma negligente ou imprudente. Por exemplo, uma pessoa que causa um acidente de trânsito ao tentar desviar de um obstáculo iminente.

Quanto à pessoa que sofre a ofensa

No caso do Estado de Necessidade Individual, a ação do agente prejudica um indivíduo específico para proteger seu próprio bem ou um bem de terceiro. Por exemplo, uma pessoa que invade a casa de um vizinho para salvar seu animal de estimação que está em perigo.

Por fim, o Estado de Necessidade Coletivo ocorre quando a ação do agente causa danos a um grupo de pessoas ou à coletividade. Um exemplo seria a destruição de um bem para evitar um desastre ambiental que poderia afetar muitas pessoas.

Quais as teorias da ponderação de bens jurídicos no estado de necessidade?

Há duas teorias principais da ponderação de bens jurídicos no estado de necessidade, são elas: teoria unitária e diferenciadora.

Conforme a teoria unitária, é irrelevante o valor do bem jurídico tutelado em comparação ao bem jurídico que está sofrendo a ofensa, posto que o bem jurídico protegido pelo estado de necessidade pode ser até mesmo de menor valor que o bem jurídico ofendido pela conduta do agente.

A título de exemplo, suponhamos que para salvar sua integridade corporal, o agente suprima a vida de um terceiro. De acordo com a teoria unitária, não se efetua a análise da natureza dos bens jurídicos em conflito e não se estabelece qualquer diferenciação entre o estado de necessidade justificante e o estado de necessidade exculpante.

Por outro lado, a teoria diferenciadora alega que, no estado de necessidade, é essencial levar em consideração o valor dos bens jurídicos envolvidos na situação de perigo, efetuando a ponderação de bens. Para essa teoria, existe diferença entre estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante.

Cabe destacar que o Código Penal brasileiro não exige, para o reconhecimento do estado de necessidade, que ocorra a ponderação de bens jurídicos, não fixando normas referentes à natureza dos bens jurídicos em conflito ou em relação aos seus titulares. Diante disso, nota-se que o Brasil adotou a teoria unitária.

Quais os tipos de estado de necessidade?

Confira em detalhes os diferentes tipos de estado de necessidade.

1. Quanto à origem do perigo:

O que é o estado de necessidade defensivo?

Sucede o estado de necessidade defensivo quando o agente efetua o ato necessitado contra coisa ou animal do qual promana o perigo para o bem jurídico, quando o agente direciona sua conduta contra o produtor do perigo, buscando eliminá-lo.

Exemplo: um indivíduo atacado por um cachorro bravo, vê-se obrigado a matar o animal para sobreviver.

O que é o estado de necessidade agressivo?

Acontece o estado de necessidade agressivo quando o agente se volta contra pessoa ou coisa diversa daquela da qual provém o perigo para o bem jurídico, quando a conduta do necessitado sacrifica bens de um inocente.

Exemplo: com o intuito de prestar socorro a alguém, o agente toma veículo alheio, sem solicitar autorização. 

Vale destacar que não se encaixa no estado defensivo a “pessoa”, posto que, quando o perigo emana do ser humano e contra este se volta o agente, estará perante uma hipótese de legítima defesa. 

Exemplo: um gato ficou preso do lado de fora do apartamento de seus donos, entre a tela de proteção e o vidro. Um vizinho detectou e acionou o zelador, que alertou o síndico, contudo, de imediato, nada quis realizar, uma vez que os moradores viajavam e não tinham autorização para adentrar no imóvel, mas com a pressão da imprensa e de uma ONG, invadiram o apartamento e salvaram o gato.

Na situação apresentada há dois interesses que entram em confronto: inviolabilidade de domicílio e proteção aos animais, mediante isso, escolhe-se o mais importante.

2. Quanto ao bem sacrificado:

O que é o estado de necessidade justificante?

O estado de necessidade justificante se refere ao sacrifício de um bem de menor valor para salvar outro de maior valor ou o sacrifício de bem de igual valor ao preservado.

Exemplo: o agente mata animal agressivo, que é de terceiro, para salvar uma pessoa sujeita ao seu ataque.

Há doutrinadores que alegam que quando for o sacrifício de bem de igual valor ao preservado, não se pode aplicar o estado de necessidade justificante, mas sim o exculpante. 

Por outro lado, há pensadores que não concordam com esse ponto de vista, aduzindo que se um ser humano mata outrem para se salvar de um incêndio, visando fugir por uma passagem que apenas uma pessoa pode passar, é natural que estejamos diante de estado de necessidade justificante, uma vez que o direito não poderá escolher entre a vida de um ou de outro. 

O que é o estado de necessidade exculpante?

Sucede o estado de necessidade exculpante quando o agente sacrifica bem de valor maior para salvar outro de valor menor, não lhe sendo exigível outro comportamento. Aqui observa-se a aplicação da teoria da inexigibilidade de conduta diversa, motivo pelo qual, uma vez reconhecida, não exclui a ilicitude e sim a culpabilidade.

Exemplo: um arqueólogo que há muitos anos procurava por uma relíquia, e para salvá-la de um naufrágio, deixa perecer um dos passageiros. É fato que o sacrifício de uma vida humana não é razoável para salvar um objeto, independente de quanto ele valha.

Mediante a situação exposta, cabe relatar que seria demais aguardar outra conduta do arqueólogo, uma vez que a decisão tomada foi advinda do desespero. Assim sendo, não poderá ser absolvido por excludente de ilicitude, posto que o direito estaria admitindo a supremacia do objeto sobre a vida humana, mas poderá não sofrer punição em razão do afastamento da culpabilidade.

Qual a diferença entre aberratio criminis e estado de necessidade?

Para deixar clara essa diferença, cabe dizer de início que, pode suceder de um indivíduo estar em uma situação perigosa e, para se salvar, causar danos ou lesões em outrem.

Exemplo: quando se atira em direção a um cão que está te atacando, estamos em estado de necessidade defensivo, contudo se a bala ricochetear e atingir uma pessoa, é claro que no que se refere à mesma não existe estado de necessidade, porém acontecerá o que chamamos de aberratio criminis.

A aberratio criminis ocorre em razão do resultado ser diverso do pretendido, e tal resultado não poderá ser atribuído ao agente, que se encontrava amparado pelo estado de necessidade.

O que é o estado de necessidade putativo?

O estado de necessidade putativo ocorre quando a situação de perigo existe somente no imaginário do agente.

A situação problemática deve ser solucionada mediante análise das descriminantes putativas, dispostas no artigo 20, § 1° do CP, confira!

Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. 

§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (…).

O que significa erro de execução?

O erro de execução, também conhecido como aberratio ictus no direito penal, ocorre quando o agente, ao tentar atingir um determinado alvo, acaba por atingir outra pessoa ou objeto por erro na execução do ato. Em outras palavras, é quando o resultado da ação não corresponde ao que o agente pretendia inicialmente, mas o erro ocorre durante a execução do ato criminoso.

Esse tipo de erro é muito comum em situações em que o agente tenta causar dano a uma pessoa específica, mas por acidente, atinge outra.

Quais os efeitos civis do estado de necessidade?

Acerca dos efeitos civis, é importante observar as normas abaixo, advindas Código Civil de 2002:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

(…)

II- a deterioração ou destruição de coisa alheia, ou a lesão a pessoa a fim de remover perigo iminente. (…)

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Após o exposto, nota-se que o Código Civil não considera ilícita a conduta daquele que, para proteger seu bem ou direito, deteriora bem alheio ou causa lesão a outrem, salvo se para eliminar perigo iminente.

Para finalizar, cabe salientar que, mesmo não sendo ilícita a conduta, o agente deverá pagar indenização àquele que passou pelo dano, correspondente aos prejuízos sofridos. Já se o perigo for criado por aquele que sofreu o dano, não será cabível indenização. 

Como provar estado de necessidade?

Para provar o estado de necessidade, é fundamental demonstrar que o agente enfrentava um perigo real, iminente e inescapável, que o obrigou a agir para proteger um bem jurídico de valor superior ou igual ao que foi sacrificado. Além disso, é necessário provar que não havia outra alternativa razoável para evitar o perigo e que a ação tomada foi proporcional ao dano que se buscava evitar. Ademais, o agente não pode ter sido responsável por criar a situação de risco.

A comprovação depende de evidências como testemunhas, fotos, vídeos e documentos que corroborem os fatos, além de perícias técnicas que avaliem o perigo e a proporcionalidade da ação. O depoimento do agente, explicando a urgência da situação, também é importante. Se esses requisitos forem cumpridos, o estado de necessidade pode ser aceito como uma justificativa legal, excluindo a ilicitude do ato.

Conclusão

Em resumo, o estado de necessidade reconhece a legitimidade de uma ação normalmente ilícita quando praticada para evitar um mal maior em situação de perigo iminente.

Para que essa defesa seja aceita, é imprescindível comprovar que o agente não tinha outra alternativa para proteger um bem jurídico relevante, que a ação foi proporcional ao risco enfrentado e que ele não contribuiu para a criação da situação de perigo. 

Em paralelo, a prova do estado de necessidade exige evidências concretas, como testemunhas, laudos periciais e documentos que sustentem a urgência e a proporcionalidade da ação.

Quando devidamente comprovado, o estado de necessidade isenta o agente de punição, demonstrando que o direito penal busca equilibrar a aplicação da lei com a preservação de valores fundamentais.

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Autor
Foto - Eduardo Koetz
Eduardo Koetz

Eduardo Koetz é advogado, escritor, sócio e fundador da Koetz Advocacia e CEO da empresa de software jurídico Advbox.

Possui bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Possui tanto registros na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (OAB/SC 42.934, OAB/RS 73.409, OAB/PR 72.951, OAB/SP 435.266, OAB/MG 204.531, OAB/MG 204.531), como na Ordem dos Advogados de Portugal - OA ( OA/Portugal 69.512L).
É pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2011- 2012) e em Direito Tributário pela Escola Superior da Magistratura Federal ESMAFE (2013 - 2014).

Atua como um dos principais gestores da Koetz Advocacia realizando a supervisão e liderança em todos os setores do escritório. Em 2021, Eduardo publicou o livro intitulado: Otimizado - O escritório como empresa escalável pela editora Viseu.