EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE XXXXXX/UF
Em face de XXXXX, (qualificações das partes), conforme os fundamentos de fato e de direito postos a seguir.
I – Dos fatos
O fato ensejador da propositura desta demanda reside num acontecimento ocorrido ao Autor em outubro de 2014: ao intentar realizar uma operação comercial corriqueira em seu próprio nome, foi ele surpreendido com a impossibilidade de concretizar a operação, pois, segundo lhe foi informado, o seu nome havia sido negativado em razão da suposta existência de débitos por ele não adimplidos.
Então o Autor, pessoa honesta e cumpridora de suas obrigações, surpreso e intrigado com a negativação de seu nome, solicitou a emissão de certidão que atestasse a limitação a ele imposta.
Foi nesse instante que o Autor tomou conhecimento da existência de dívidas contraídas em seu nome, no valor de R$XXXX frente à Primeira Ré.
Conforme a referida certidão, o Autor teve seu nome negativado no dia XX de XXXXXX XX por débitos vencidos em XX de XXXXXX de XXXX.
Como dito acima, o Autor muito estranhou a existência dos débitos e a negativação de seu nome, pois põe-se certo de nunca ter contratado os serviços da Primeira Ré conforme as datas de vencimento e valores apontados pela aludida certidão e, muito menos, ter se colocado em situação de inadimplência perante ela.
Partindo de sua posição de consumidor hipossuficiente, a única ilação que o Autor se permite fazer neste momento é a de que, provavelmente, tenha sido ele vítima de fraude documental, com seus documentos pessoais tendo sido utilizados por terceiros na contratação de serviços de telefonia perante a Primeira Ré.
O Autor não possui qualquer contrato de prestação de serviços que, de quaisquer maneiras, correspondam aos contratos que servem de base às cobranças retratadas pela certidão anexa (considerando tanto as datas de vencimento como os valores cobrados).
Pelas razões acima expostas, e diante da impossibilidade de continuar sofrendo os prejuízos e limitações impostos pela situação aqui retratada, é que o Autor intenta a presente demanda.
II – Dos fundamentos jurídicos. Da inexistência de relação jurídica e da ocorrência de fraude. Da responsabilidade civil. Inversão do ônus da prova
Diante dos fatos acima apresentados é imperativo enquadrar o Autor como consumidor, ainda que por equiparação (CDC, art. 2° e parágrafo único), já que ele não utilizou os serviços que lhe são imputados e cobrados (e que geraram a inscrição limitativa) e as Rés, lado outro, enquadram-se como fornecedores de serviços (CDC, art. 3°).
Daí ser imperativo conferir ao Autor toda a gama de proteções jurídicas previstas pelo CDC, presentes nos princípios da hipossuficiência, da vulnerabilidade e do direito à reparação integral dos danos sofridos (CDC, arts. 1°, 4° e 6°).
Desde já o Autor esclarece jamais ter firmado os supostos contratos que deram origem às dívidas a ele imputadas. Não houve, por parte dele, qualquer aceitação de oferta de serviços ou assinatura de contrato com a Primeira Ré, prestadora de serviços de telefonia, que tenham correspondência com os dados apresentados pela certidão emitida pelo sistema de proteção ao crédito (com as datas de vencimento e valores ali apresentados).
Dito isso, inexistindo relação jurídica entre Autor e Primeira Ré, somente se pode cogitar ter existido fraude documental na contratação de tais serviços. Algum terceiro, falseando os dados e documentos do Autor, e em nome deste, celebrou contrato com a citada companhia.
Isso posto, é imperativo concluir ter havido falha e defeito na prestação de serviços por parte da Primeira Ré, por ter ela celebrado contrato de prestação de serviços com terceiro fraudador, em nome de outra pessoa, o Autor, que, por óbvio, não tinha conhecimento das operações realizadas em seu nome.
É a definição exata do que em direito do consumidor se tem como fato ou defeito do serviço (CDC, art. 14, caput, §1°, I e II).
O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se pode esperar.
Ainda que não tenha utilizado os serviços de telefonia, o Autor vê-se lesado pelo “serviço” prestado, já que o modo de concretização do suposto contrato e o resultado por ele gerado lhe são prejudiciais, ao imputar-lhe débitos e inscrições limitativas indevidas.
Ademais, no caso presente, é indiscutível a incidência da responsabilidade civil objetiva e solidária entre todos os envolvidos no polo passivo da demanda.
Este é o entendimento da jurisprudência de nossos Tribunais, veja-se:
“Civil e Processual Civil. Apelação. Ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais. Contrato e débito do consumidor por equiparação. Não comprovação. Fraude de terceiro. Responsabilidade civil objetiva. Arts. 14 e 29 do CDC. Configuração. Negativação Indevida. Causa suficiente do dano moral. (…)
– A teor dos art. 14 e 29, do CPC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores, ainda que por equiparação, por defeitos relativos à prestação dos serviços.
– O fato de o negócio jurídico ter sido celebrado por fraude de terceiro não enseja a incidência da excludente de responsabilidade por culpa exclusiva deste, já que a responsabilidade civil do prestador de serviços é objetiva, consoante o Código de Defesa do Consumidor, tendo agido este, ainda, com negligência, ao contratar sem as devidas cautelas, por falha do serviço.
– A simples negativação ou manutenção indevida enseja dano moral e direito à indenização em tese, independente de qualquer outra prova, porque neste caso é presumida a ofensa à honra e ao bom nome do cidadão.” (TJMG – Apelação Cível 10775120002198001. Rel(a). Des(a). Márcia De Paoli Balbino. Julgamento: 17/07/2014. Publicação 29/07/2014) (grifo aditado)
“Civil e Processual. Ação de indenização. Inscrição em cadastros de devedores. Cheques sem provisão de fundos e compras inadimplidas. Utilização de documentos falsos. Responsabilidade dos réus. Dano moral configurado. Valor do ressarcimento. Fixação. I – A inscrição em cadastros desabonadores por atos ilícitos não praticados pelo autor é geradora de responsabilidade civil para as empresas rés, desinfluente a circunstância de que foram utilizados documentos falsos por terceiro para a emissão dos cheques e a aquisição de produtos ou serviços. II – Indenização fixada em patamar razoável, proporcional à gravidade da lesão. III – Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – REsp 856.547⁄SP, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJe de 13⁄10⁄2009) (grifo aditado)
Ademais, este é também o entendimento do Enunciado 553 do CJF/STJ, aprovado na VI Jornada de Direito Civil em 2013: “nas ações de responsabilidade civil por cadastramento indevido nos registros de devedores inadimplentes realizados por instituições financeiras, a responsabilidade civil é objetiva”.
E frise-se, a Serasa Experian, Segunda Ré, é instituição de índole financeira, responsável pela administração e gerência do cadastro de inadimplentes perante bancos e demais pessoas jurídicas do setor financeiro/econômico e mercado de consumo.
Assim, tem-se de um lado o Autor, consumidor lesado, parte vulnerável e hipossuficiente e, do outro, as Rés, a quem deve ser incutida responsabilidade objetiva pelos danos causados, decorrentes das inscrições limitativas indevidas.
E diante do caráter protetor conferido ao microssistema legal consumerista o Autor pleiteia seja determinada, ainda no limiar da demanda, a inversão do ônus da prova, com vistas à facilitação da defesa de seus direitos, diante da verossimilhança das alegações apresentadas e, também, por ser ele hipossuficiente, não dispondo de meios técnicos hábeis a demonstrar o modo pelo qual se concretizaram as prováveis fraudes documentais aqui postuladas (CDC, art. 6°, VIII).
Pelo exposto, é imperativa a declaração de inexistência dos débitos indevidamente imputados ao Autor, bem como o imediato cancelamento das inscrições limitativas de crédito respectivas, medidas a serem tomadas em conformidade com o ordenamento consumerista vigente.
III – Dos danos morais
A situação vivida pelo Autor tem ocorrido em larga escala em nosso tempo. Tem proliferado o número de casos de consumidores atingidos por falsários que usam documentos alheios para celebrar contratos: de prestação de serviços (telefonia, internet e afins), contratos bancários, empréstimos, compras e etc.
No outro lado destas relações jurídicas estão as empresas prestadoras de serviços e as instituições financeiras, que, na grande maioria dos casos, não tomam medidas necessárias para verificar a veracidade e a autenticidade dos dados apresentados pelos contratantes.
E aí reside a sua falha: quando atuam sem detectar a presença de um contratante falsário, prestam o serviço ou vendem um produto de forma defeituosa, sem as devidas cautelas com relação à pessoa do outro contratante.
Disso advém o dano moral à pessoa que tem seus documentos e dados indevidamente utilizados. Caso do Autor, que sem saber, figurava como contratante de diversos serviços frente à Primeira Ré e que, posteriormente, teve seu nome negativado em razão dos débitos não quitados.
E em casos tais a jurisprudência é uníssona em afirmar que o dano moral ocorre na modalidade in re ipsa, ou seja, é inerente ao fato, dispensa prova do prejuízo, é coberto por uma relevante presunção jurídica. Veja-se:
“Responsabilidade civil. Inclusão indevida do nome da cliente nos órgãos de proteção ao crédito. Dano moral presumido. Valor da reparação. Critérios para fixação. Controle pelo STJ. Possibilidade. (…) I. O dano moral decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato.” (…) (STJ – Resp 1.105.974/BA – Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti. Julgamento em 23/04/2009. Publicação em 13/05/2009) (grifo aditado)
“(…) É sabido que a empresa de telefonia responde pelo risco do empreendimento, pois a sua atividade lucrativa não pode causar dano ao consumidor (CDC, arts. 17 e 19). O prestador de serviços tem o dever de prover meios de proteção contra fraudes e de treinar seus funcionários e/ou prepostos para impedir que ocorram. A negativação do nome do consumidor nos cadastros de restrição ao crédito, quando decorrente de débito originado de contratação fraudulenta gera dano moral puro (in re ipsa), sendo desnecessária a demonstração material do dano, que é presumido. Inexiste critério objetivo para o arbitramento da reparação por dano moral, e, assim, o julgador deve arbitrá-lo com fulcro nos princípios gerais da razoabilidade, da proporcionalidade e da vedação do enriquecimento sem causa, buscando-se, assim, que a verba indenizatória seja fixada em montante suficiente para compensar o dano, sem transmudar-se, contudo, em fonte de lucro para a pessoa ofendida. (…)” (TJRJ – Processo 02724930320118190001. Rel. Des. Joaquim Domingos de Almeida Neto. Julgamento em 09/12/2013. Publicação em 11/03/2014) (grifo aditado)
Considerando o caráter compensatório-pedagógico a que se presta a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, requer o Autor sejam as Rés condenadas ao pagamento da quantia de R$XXXXXX ou, assim não entendendo, seja criteriosamente arbitrada por V. Exa. a quantia devida a este título ao Autor.
IV – Da antecipação de tutela
O caso aqui apresentado a V. Exa. é o exemplo típico de demanda que exige a antecipação dos efeitos da tutela para a proteção do direito do Autor, in limine littis.
Regulando o tema, o caput e o inciso I do art. 273 do CPC asseveram que à concessão da medida antecipatória é necessária a prova inequívoca, além do fumus boni iuris e do periculum in mora (fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação).
Pois bem: a prova apresentada pelo Autor é clara no sentido de comprovar a existência das inscrições limitativas indevidas. E conforme já se afirmou, inexistiu relação jurídica entre Autor e Primeira Ré que legitimasse as cobranças efetuadas (ponto sobre o qual recai o repisado pedido de inversão do ônus da prova).
Noutro lado, caso se conserve a inscrição negativa do nome do Autor, posto que indevida, experimentará ele, odiosamente, toda sorte de prejuízos e impedimentos no trato de suas obrigações pessoais e comerciais cotidianas, naturalmente decorrentes da própria limitação creditícia.
Assim entende a jurisprudência do e. TJMG e também do c. STJ. Veja-se:
“Agravo de instrumento – Alegação de inexistência da dívida Antecipação de tutela – Exclusão de negativação em órgãos de restrição ao crédito – Recurso provido.
– É prudente a concessão de antecipação de tutela para exclusão ou abstenção de inscrições negativas nos órgãos de restrição ao crédito em ação na qual se discuti a existência do débito. (…) da análise detida dos termos do processo, depreende-se que a agravante nega a dívida, afirmando que nunca realizou qualquer contrato junto à empresa ré. Nesse sentido, a plausibilidade do direito substancial invocado se encontra no fato da agravante sustentar que nunca realizou qualquer contrato com a agravada capaz de originar a inscrição objeto da presente demanda, não sendo razoável exigir, em um primeiro momento, prova da ausência de negociação entre as partes, porquanto constitui prova de fato negativo caracterizando a chamada prova diabólica. Outrossim, a alegação da agravante de que nunca manteve relação jurídica com a agravada permite a concessão liminar na medida em que atendem os requisitos autorizadores trazidos pelo art. 273 do Código de Processo Civil. Ademais, resta cediço que a negativação do nome perante os Órgãos de Proteção ao Crédito, ocasiona inegável dano, porquanto a mera inscrição poderá gerar impedimentos de transações bancárias e comerciais. Dessa forma, é prudente a concessão de antecipação de tutela para abstenção de divulgação de inadimplência, em ação na qual se discuti a inexistência do débito e inscrições negativas em órgãos de restrição creditícia.” (TJMG – AI 1.0024.13.356057-3/001. Rel. Des. Moacyr Lobato. Julgamento em 15/04/2014. Publicação em 28/04/2014) (grifo acrescido)
“… é inegável a consequência danosa para aqueles cujos nomes são lançados em bancos de dados instituídos para o fim de proteção ao crédito comercial ou bancário. Daí porque, existindo ação que ataque a validade do título, onde se impugna o valor do débito cobrado pelo banco com fundamentos razoáveis, parece adequado que a utilização daqueles serviços, que servem para estigmatizar o devedor, aguarde o desfecho da ação.” (REsp nº 168.934/MG, Rel. Min. Rui Rosado de Aguiar, 4ª Turma – STJ – j. 24.06.1998. Publicado em 31.08.1998) (grifo acrescido)
Isso posto, requer seja deferida a antecipação dos efeitos da tutela, em liminar inaudita altera parte, ordenando à Segunda Ré que suspenda as negativações ligadas ao nome do Autor relativas aos débitos aqui contestados, até o fim da lide.
V – Dos pedidos
Por todo o exposto, vem o Autor requerer a V. Exa. os seguintes pedidos:
- sejam deferidos ao Autor os benefícios da gratuidade de Justiça, por ser pobre na definição jurídica do termo, não podendo arcar com as despesas e custas processuais sem prejuízo de seu sustento e o de sua família, conforme certidão anexa (Lei 1060/50, art. 4°);
- sejam as Rés citadas, para, querendo, oferecerem resposta à ação, no prazo e forma legais;
- seja deferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela (item IV acima), ordenando liminarmente, inaudita altera parte, a suspensão das inscrições limitativas do nome do Autor, até o término da lide, diante do atendimento aos requisitos estabelecidos pelo art. 273 do CPC, bem como em respeito aos princípios protetores ao consumidor previstos pelo CDC;
- seja deferido o pedido de inversão do ônus da prova, ordenando às Rés a comprovação inequívoca de que o Autor realmente contratou os serviços que originaram as dívidas e que deram azo às inscrições limitativas posteriores;
- enfim, no mérito, seja julgado inteiramente procedente o pedido de declaração de inexistência de débitos a favor do Autor, bem como com o cancelamento definitivo das inscrições negativas de crédito respectivas (item II acima); também requer seja julgado inteiramente procedente o pedido de condenação das Rés ao pagamento de indenização por danos morais ao Autor (item III acima), consoante o criterioso arbítrio de V. Exa.;
- sejam as Rés condenadas ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em XX% do valor da causa, sempre mediante o respeitável critério de V. Exa.
Dá-se à causa o valor de R$XXXXXX (CPC, art. 259, V) para fins de alçada.
Pede deferimento.
2018
Macel Guimarães Gonçalves, p.p.
OAB/MG 131.717