A desumanização da justiça refere-se ao processo pelo qual o sistema legal se torna mais impessoal e distante das necessidades individuais dos cidadãos. Ele foca mais em eficiência e procedimentos padronizados do que na igualdade e compreensão humana.
No entanto, isso não quer dizer que a tecnologia seja um vilão, mas sim um alerta para que haja equilíbrio em sua utilização.
Historicamente, as pessoas veem a justiça como um pilar da sociedade, assegurando que ela proteja os direitos e mantenha consonância entre as liberdades individuais e o bem comum.
Contudo, diante desses avanços e da crescente mudança da sociedade atual, surgiu um paradoxo. Enquanto a tecnologia poderia oferecer meios para uma equidade mais acessível e rápida, frequentemente resulta em um regime que parece mais distante e menos sensível aos aspectos humanos.
Para alcançar clareza sobre essa harmonia, primeiro precisamos compreender a importância desses sistemas na sociedade moderna e explorar como podemos aplicar seu uso de maneira a trazer benefícios específicos.
O que a tecnologia faz pelo Direito?
O avanço tecnológico tem impactado cada vez mais o mundo legal, especialmente ao melhorar a eficiência e a celeridade dos trâmites judiciais. Um exemplo disso é o uso de robôs pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no Brasil para processar pedidos de aposentadoria, pensões e auxílios.
Essas inovações realizam em segundos tarefas que, tradicionalmente, pessoas levariam horas ou até dias para concluir.
De janeiro de 2021 a junho de 2023, o uso desses robôs para tomar decisões automáticas cresceu de 2% para 35% dos processos. Isso demonstra uma tendência de adoção crescente dessas técnicas em procedimentos administrativos e judiciais.
Por meio da automação, se proporciona uma significativa redução no tempo necessário para processar casos, permitindo que o jurídico lide com volumes maiores de solicitações de forma mais ágil.
Este aumento da efetividade particularmente valioso em organizações sobrecarregadas, onde os atrasos podem negar a equidade tanto pela demora quanto pelo esquecimento.
No entanto, apesar dessas vantagens operacionais, a tecnologia no Direito também levanta questões importantes sobre a desumanização da justiça.
A aplicação de algoritmos e automação pode resultar em um tratamento padronizado de protocolos que deveriam ser analisados individualmente, levando a sentenças que podem não considerar todos os aspectos e contextos humanos essenciais para julgamentos justos.
Essa inovação, embora efetiva, arrisca transformar a prática forense em uma ciência exata, desconsiderando que cada caso possui características únicas que não são facilmente quantificáveis ou avaliáveis por máquinas.
Portanto, ao mesmo tempo que acelera e potencializa a capacidade de processamento do jurídico, também desafia o equilíbrio essencial entre desempenho e a sensibilidade humana nas práticas legais.
Nesse sentido, se destaca a urgência de consonância no uso de inovações no Direito, garantindo que elas complementem, mas não substituam o discernimento do indivíduo.
A tecnologia e a desumanização
A introdução de sistemas como inteligência artificial (IA) no meio judicial, por exemplo, promete transformar a maneira como as decisões são tomadas. Os programas atualmente já podem analisar grandes volumes de dados para prever resultados de casos ou recomendar sentenças.
No entanto, isso também pode conduzir a uma desumanização da justiça em seu processo, onde se tomam veredictos com base em dados e probabilidades, ignorando os contextos sociais e pessoais que definem cada caso.
Benefícios
- Eficiência melhorada: a utilização de IA pode acelerar o processamento de demandas, automatizando tarefas repetitivas como a análise de documentos legais e organização de evidências. Isso pode reduzir o tempo preciso para chegar a uma decisão e aliviar o fardo dos profissionais jurídicos;
- Consistência nas decisões: algoritmos podem ajudar a tratar casos semelhantes de maneira consistente, reduzindo a variabilidade nas sentenças que pode ocorrer devido a viés pessoal ou fadiga;
- Acesso à Justiça: tecnologias como plataformas online de resolução de disputas podem tornar os serviços judiciais mais acessíveis a populações que tradicionalmente têm menos acesso à legislação, especialmente em áreas remotas.
Desafios e Riscos
- Desumanização do processo: há um risco de que a tecnologia torne a regime legal mais impessoal. Decisões judiciais influenciam realidades, e a aplicação rígida de algoritmos pode não levar adequadamente em conta nuances e contextos específicos das ocorrências, como condições socioeconômicas, antecedentes culturais ou circunstâncias pessoais excepcionais;
- Viés e justiça algorítmica: s pessoas que criam os programas podem incorporar inconscientemente preconceitos existentes nos dados com os quais treinam os algoritmos de justiça. Isso pode perpetuar ou até exacerbar desigualdades no tribunal.
- Transparência e responsabilidade: a aplicação de IA em resoluções judiciais levanta questões sobre esses pontos. Isso porque, a chamada “caixa preta” dos programas pode dificultar o entendimento de como se tomou uma decisão, complicando os procedimentos de apelação e revisão.
Impacto da desumanização da justiça para a sociedade
A desumanização da justiça tem impactos profundos na sociedade. Quando as pessoas se sentem tratadas como números em um arquivo, e não como indivíduos com garantias e histórias pessoais, o respeito e a fé no poder judiciário diminuem.
Essa percepção imparcial e burocrática desencoraja muitos, especialmente em comunidades marginalizadas e aqueles com experiências negativas prévias, de buscar a lei.
Dessa forma, sentindo-se alienados e percebendo o regime como indiferente ou hostil, esses grupos podem optar por não reivindicar seus direitos, perpetuando ciclos de desvantagem e situações não resolvidas.
Além disso, a falta de humanização pode aumentar os sentimentos de marginalização e alienação, reduzindo o engajamento cívico e fomentando um senso de desesperança.
Essa situação desafia a legitimidade da ordem judiciária, essencial para a estabilidade social e política. Sem a confiança e o apoio público, dificulta-se implementar reformas necessárias para melhorar a jurisprudência e eficácia do sistema.
O risco de erros judiciais também se eleva com a impessoalidade, já que decisões podem ser baseadas em suposições incorretas ou na aplicação inflexível da lei, resultando em possíveis injustiças com consequências duradouras para os afetados.
Nesse sentido, confrontar esses desafios requer um esforço contínuo para reintegrar a compreensão humana na legislação. Assim, garante que a tecnologia e os procedimentos sejam utilizados de maneira a promover equidade jurídica, empatia e respeito pelas experiências individuais.
Encontrando equilíbrio entre tecnologia e humanidade
O equilíbrio entre a adoção de tecnologias e a manutenção da integridade e humanidade no poder judiciário é uma questão delicada que requer uma abordagem cuidadosa e reflexiva.
Adaptação tecnológica
A integração da modernização do meio jurídico deve ser realizada de maneira que respeite os princípios fundamentais de justiça e equidade. Ou seja, ela deve ser usada como uma ferramenta para auxiliar, e não para substituir, o raciocínio e a discrição humana.
Por exemplo, sistemas de IA podem ser usados para fornecer recomendações baseadas em dados, mas as sentenças finais devem sempre estar nas mãos de profissionais reais que possam avaliar as nuances de cada ocorrência.
Flexibilidade processual
A adoção de flexibilidade processual significa permitir que estrutura legal tenha a capacidade de ajustar procedimentos com base no contexto específico de cada caso.
Essa abordagem pode incluir a adaptação de prazos, a personalização de processos e a possibilidade de revisão de veredictos automatizados por humanos quando necessário.
Além disso, ela favorece uma interpretação do Direito que considera as peculiaridades de cada situação, o que é fundamental para evitar a rigidez e impessoalidade que podem vir com a automação excessiva.
Diretrizes éticas e regulamentos
Estabelecer e aplicar diretrizes éticas e regulamentos precisos para orientar o uso de sistemas como a IA no âmbito judicial é um ponto-chave.
Isso porque desenvolver Inteligência Artificial eticamente nesse meio implica na criação de diretrizes éticas rigorosas.
Essas diretrizes asseguram o desenvolvimento e a implementação dessas inovações para complementar e não substituir o discernimento humano, evitando consequentemente uma desumanização da justiça.
Este método envolve a inclusão de princípios como transparência, imparcialidade e accountability nos algoritmos de IA. O objetivo é garantir que as tecnologias auxiliem os juristas, ampliando sua capacidade de interpretação e decisão sem perder de vista as nuances que cada caso individual apresenta.
Para isso, IA deve ter uma programação equilibrada para identificar e considerar variáveis contextuais e humanas, evitando julgamento puramente baseadas em dados quantitativos.
Auditoria e refinamento contínuos
Para minimizar riscos de viés e injustiças, é importante haver um protocolo contínuo de auditoria e avaliação das tecnologias utilizadas.
Assim, devem acontecer revisões periódicas dos algoritmos para identificar e corrigir possíveis preconceitos, garantindo que as resoluções automatizadas sejam justas e baseadas em critérios adequados.. A auditoria também deve verificar a precisão e a relevância dos dados empregados pelos sistemas de IA.
Diálogo aberto e colaboração
O desenvolvimento e implementação de ferramentas modernas no judicial deve envolver um diálogo aberto entre tecnólogos, juristas, acadêmicos, e a sociedade em geral.
Desse modo, a colaboração entre esses diferentes grupos pode ajudar a garantir o uso responsável e alinhado com os valores sociais das atualizações.
Ademais, a participação pública pode aumentar a transparência e a aceitação desses avanços tecnológicos utilizados. Isso, porque envolver as comunidades na reforma do regime jurídico ajuda a criar um ambiente legal que reflita as carências e valores da sociedade.
Dessa forma, as políticas e tecnologias aplicadas podem ser mais inclusivas e representativas. Podemos alcançar esse processo por meio de consultas públicas, fóruns de discussão e comitês de ética com participação popular, por exemplo.
Ouvir as vozes das comunidades afetadas pelas decisões judiciais assegura que reformas do sistema legal seja mais abrangente e justa.
Educação e capacitação
A educação e o treinamento de especialistas do Direito no uso da tecnologia são uma forma de maximizar os benefícios dessas ferramentas e minimizar os riscos de desumanização da justiça.
Dessa forma, programas de formação devem focar não apenas no funcionamento técnico das ferramentas, mas também em como integrar esses avanços à prática jurídica de maneira ética e eficaz.
Nesse sentido, capacitar advogados, juízes e profissionais do setor a usar tecnologia de maneira crítica e informada melhora a compreensão das circunstâncias individuais dos casos.
Isso permite que a tecnologia seja um complemento à sua experiência e não um substituto.
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