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Direito Penal do Inimigo: o que é e aplicação prática

Direito Penal do Inimigo: o que é e aplicação prática

O Direito Penal do Inimigo é uma das teorias mais controversas do direito penal contemporâneo. Desenvolvida pelo jurista alemão Günther Jakobs, ela propõe uma diferenciação radical entre os cidadãos que respeitam o ordenamento jurídico e os “inimigos” que colocam em risco a própria existência do Estado de Direito. 

Embora amplamente criticada por sua rigidez e potencial autoritário, essa teoria tem encontrado, na prática, expressões em legislações e políticas públicas ao redor do mundo,  inclusive no Brasil. Neste artigo, você pode entender o que é o Direito Penal do Inimigo, suas características principais e como ele se manifesta na realidade brasileira.

O que é Direito Penal do Inimigo?

O Direito Penal do Inimigo é uma teoria desenvolvida pelo jurista alemão Günther Jakobs que propõe uma divisão no tratamento penal conferido pelo Estado, distinguindo entre dois grupos de indivíduos: os cidadãos e os que cometem delitos pontuais. 

Por isso, permanecem reconhecidos como sujeitos de direitos dentro da ordem jurídica. Já os inimigos, são considerados uma ameaça estrutural, permanente e deliberada à sociedade e ao Estado de Direito. 

Para esses últimos, o sistema penal não funcionaria com base na retribuição ou na ressocialização, mas sim como um instrumento de defesa social e neutralização, mesmo que isso implique restringir garantias fundamentais. 

A teoria sustenta que determinados comportamentos criminosos colocam em xeque a própria vigência da norma penal, exigindo, portanto, uma resposta mais severa e preventiva do Estado.

Conceito da teoria do Direito Penal do Inimigo

O conceito foi formulado por Günther Jakobs, professor da Universidade de Bonn, na Alemanha. Para ele, o direito penal tradicional, o Direito Penal do Cidadão, parte do pressuposto de que todo indivíduo é titular de direitos e deveres, mesmo após cometer um crime. Já o Direito Penal do Inimigo se aplica àqueles que, ao colocarem em risco a própria existência do Estado e da sociedade, perdem sua condição de sujeito de direitos.

Inspirado por correntes filosóficas de matriz contratualista, Jakobs sustenta que quem rompe o “contrato social” de maneira estrutural deixa de ser tratado como cidadão pleno, passando a ser considerado um inimigo a ser neutralizado. Não se trata, portanto, de um direito penal com função ressocializadora, mas sim de um instrumento de proteção estatal preventiva e repressiva.

Quem é o inimigo segundo a teoria de Jakobs?

Segundo Jakobs, o “inimigo” é aquele que não aceita as regras mínimas da convivência jurídica e, portanto, não pode ser tratado como um interlocutor no pacto civilizatório. São indivíduos que:

  • Atuam de forma organizada e sistemática contra o Estado;
  • Recusam-se a aderir aos preceitos básicos da ordem jurídica;
  • Representam uma ameaça permanente à segurança coletiva.

Na prática, isso incluiria pessoas envolvidas com terrorismo, crime organizado, tráfico de drogas e crimes contra o Estado democrático, por exemplo. Para esses indivíduos, o sistema penal passa a ser regido por uma lógica de defesa e contenção, e não de direitos.

Quais as características do Direito Penal do Inimigo?

O Direito Penal do Inimigo apresenta três características principais que o diferenciam do modelo penal tradicional: a antecipação da tutela penal, a desproporcionalidade das penas e a relativização das garantias penais e processuais. Esses elementos rompem com pilares fundamentais do Estado de Direito e suscitam intensos debates jurídicos e éticos.

A seguir, explicamos cada uma dessas características em detalhes.

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Antecipação da tutela penal

Uma das marcas da teoria é a antecipação da atuação penal, ou seja, o Estado passa a agir antes mesmo da consumação de um delito. Isso se dá, por exemplo, com a criminalização de atos preparatórios, como a posse de instrumentos que possam ser utilizados em crimes, ou a punição de intenções expressas, como apologia ao terrorismo.

Desproporcionalidade das penas

Outra característica é a rigidez punitiva. No Direito Penal do Inimigo, as penas tendem a ser altas e desproporcionais, buscando a neutralização do indivíduo mais do que a reabilitação. Isso se reflete, por exemplo, na aplicação de penas severas em crimes de tráfico ou organizações criminosas, mesmo quando há baixa lesividade concreta.

Relativização das garantias penais e processuais

Por fim, uma das maiores críticas à teoria é a relativização das garantias individuais. No combate ao “inimigo”, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa podem ser enfraquecidos. Medidas como prisão preventiva por tempo indeterminado, escutas telefônicas extensivas e regimes disciplinares rígidos são exemplos dessa lógica de exceção.

Qual a aplicação prática do conceito de Direito Penal do Inimigo no Brasil?

Embora o Brasil não adote formalmente a teoria do Direito Penal do Inimigo elaborada por Günther Jakobs, é possível identificar, na prática, diversas situações em que seus elementos estão presentes no ordenamento jurídico e na atuação do sistema de justiça criminal. 

Isso ocorre, sobretudo, em políticas públicas e legislações voltadas ao combate de crimes considerados de alta periculosidade, como o tráfico de drogas, o terrorismo, o crime organizado e atos contra a segurança do Estado

Nesses contextos, observa-se a aplicação de penas severas, medidas cautelares prolongadas, antecipação da tutela penal e, principalmente, a relativização de garantias processuais e individuais, como o uso abusivo da prisão preventiva e a restrição ao direito de defesa. 

Exemplos de Direito Penal do Inimigo

A aplicação do Direito Penal do Inimigo pode ser observada em diversas situações do sistema penal brasileiro. Entre os exemplos mais evidentes estão as prisões cautelares prolongadas e abusivas, a criação de leis penais específicas e rígidas, a adoção do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e a criminalização de movimentos sociais.

Esses casos ilustram como a lógica de exceção tem sido incorporada em práticas e legislações.

A seguir, explicamos cada um desses exemplos em detalhes.

Prisões cautelares prolongadas e abusivas

A utilização excessiva da prisão preventiva, muitas vezes sem prazo definido e com base em argumentações frágeis, é uma expressão prática do Direito Penal do Inimigo.

Isso ocorre especialmente em crimes relacionados ao tráfico de drogas e organização criminosa, em que o acusado permanece preso por anos antes do julgamento.

Leis penais específicas e rígidas

A Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013) e a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) são exemplos de normativos que adotam medidas duras, com penas altas e margens reduzidas para benefícios legais, reforçando a ideia de combate ao inimigo.

Regime disciplinar diferenciado (RDD)

O Regime Disciplinar Diferenciado, criado pela Lei nº 10.792/2003, impõe isolamento extremo a presos considerados de alta periculosidade, restringindo visitas, comunicação e tempo de banho de sol. Essa forma de cumprimento de pena, criticada por violar direitos humanos, reflete a lógica de neutralização típica do Direito Penal do Inimigo.

Criminalização de movimentos sociais

Em alguns episódios, lideranças de movimentos sociais foram enquadradas como membros de organizações criminosas, apenas por promoverem protestos e ocupações. Essa ampliação do conceito de inimigo evidencia os perigos da aplicação arbitrária da teoria.

Conclusão

O Direito Penal do Inimigo representa uma ruptura com os fundamentos do Estado Democrático de Direito, ao dividir os cidadãos em “bons” e “maus” com base na periculosidade atribuída. Apesar de criticada por sua natureza autoritária e antidemocrática, a teoria tem ganhado espaço na prática legislativa e judicial, inclusive no Brasil.

É fundamental que juristas, advogados e profissionais do direito estejam atentos a essas práticas e discutam alternativas que conciliam a proteção da sociedade com o respeito às garantias individuais.

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Autor
Foto - Eduardo Koetz
Eduardo Koetz

Eduardo Koetz é advogado, escritor, sócio e fundador da Koetz Advocacia e CEO da empresa de software jurídico Advbox.

Possui bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Possui tanto registros na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (OAB/SC 42.934, OAB/RS 73.409, OAB/PR 72.951, OAB/SP 435.266, OAB/MG 204.531, OAB/MG 204.531), como na Ordem dos Advogados de Portugal - OA ( OA/Portugal 69.512L).
É pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2011- 2012) e em Direito Tributário pela Escola Superior da Magistratura Federal ESMAFE (2013 - 2014).

Atua como um dos principais gestores da Koetz Advocacia realizando a supervisão e liderança em todos os setores do escritório. Em 2021, Eduardo publicou o livro intitulado: Otimizado - O escritório como empresa escalável pela editora Viseu.

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