Desconsideração da personalidade jurídica no CPC: quando é possível e como solicitar?

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser definida como uma medida extrema que coíbe fraude, abuso de direito e confusão patrimonial, permitindo que o credor alcance os bens particulares dos sócios e administradores da pessoa jurídica, através do devido processo legal.

Este incidente está previsto legalmente no artigo 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015, podendo ser requerido em todas as fases processuais de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução baseada em título executivo extrajudicial.

Quando é possível a desconsideração da personalidade jurídica?

Cabe entender, de imediato, que a pessoa jurídica, é uma entidade ou associação reconhecida e autorizada a funcionar, de forma legal, ou seja, é um sujeito de direitos e deveres a quem a lei concedeu personalidade jurídica.

Após essa exposição, podemos dizer que a desconsideração da personalidade jurídica surgiu com o intuito de corroborar para o instituto do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, buscando afastar e evitar o aparecimento de fraude ou abuso de direito. 

Desta forma, podemos dizer que ela é um reforço para que sócios e administradores atuem em prol do bem comum da sociedade empresária, através de sua preservação e mantendo a sua função social, enquanto coíbem o envolvimento da pessoa jurídica em situações de fraude à credores.

A desconsideração da personalidade jurídica dá ênfase na autonomia patrimonial da pessoa jurídica e na preservação empresarial, não devendo ser utilizada, apenas, quando não há mais bens para satisfazer aos seus credores.

Será a partir da análise do caso concreto que o juiz poderá efetuar a decretação da desconsideração da personalidade jurídica, posto que os atos praticados incorporam-se, aparentemente, de licitude, contudo, se for provado o contrário, ou seja, ocorrendo fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, determinará a busca da satisfação dos credores nos bens pessoais dos sócios e administradores da pessoa jurídica.

Para que serve a desconsideração da personalidade jurídica?

A desconsideração da personalidade jurídica pode servir como um instrumento de contenção de fraudes e abusos que contribuem para a deturpação das finalidades da pessoa jurídica, surgindo diante desse cenário, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que objetiva conter a manipulação fraudulenta da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas.

Conforme entendimento do Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica busca alcançar indivíduos e seus respectivos patrimônios, e se justifica quando necessária para garantir o ressarcimento de terceiros que foram lesados pela má-fé dos que se escondem dentro de determinada pessoa jurídica para fins ilícitos ou abusivos.

É relevante relatar que, a desconsideração somente suspende a eficácia episódica dos atos constitutivos da pessoa jurídica, de forma que o princípio da autonomia patrimonial continua sendo válido, isto significa que não existe uma invalidação, desconstituição ou comprometimento da eficácia geral dos atos da pessoa jurídica.

Ainda, é possível haver a desconsideração inversa da personalidade jurídica, esse fenômeno ocorre quando demonstrado que a sociedade oculta bens dos seus sócios, pessoa física ou jurídica, ocasionando a impossibilidade de satisfação dos credores.

Assim sendo, em outras palavras, no caso da desconsideração inversa da personalidade jurídica, os sócios utilizam a sociedade para ocultar o patrimônio pessoal e a desconsideração não é da sociedade para buscar o sócio, mas sim, parte do sócio para atribuir-se a responsabilização à sociedade.

Diante de todo exposto, ressalta-se que a desconsideração da personalidade jurídica necessita ser vista como uma medida usada em casos extremos, devendo existir com o único intuito de garantir a autonomia patrimonial e a preservação empresarial, não devendo se chegar nos bens dos sócios, caso não haja o sólido preenchimento dos requisitos.

Como é composta a teoria da desconsideração da personalidade jurídica?

A Teoria da desconsideração da personalidade jurídica subdivide-se em duas, são elas:

  1. Teoria Maior;
  2. Teoria Menor.

No que tange à Teoria Maior, podemos dizer que são considerados o desvio da finalidade e a confusão patrimonial como critérios para a sua adoção. Aquele refere-se à Teoria Maior Subjetiva, no qual é preciso que seja demonstrado o uso abusivo ou fraudulento da personalidade jurídica, o que gera um desvio de funcionalidade; e este, se refere à Teoria Maior Objetiva, na qual inexiste uma separação de patrimônio da pessoa jurídica e da pessoa física.

Já relativo a Teoria Menor, pode-se afirmar que ela não exige a prova de fraude ou de prática abusiva, muito menos requer a demonstração de confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e física, bastando uma simples prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações. Essa teoria foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) e pela Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998).

Quais os aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica?

Quanto aos aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, cabe relatar que o CPC de 2015 trouxe alterações que foram consideradas positivas para o instituto, pelos devidos motivos:

  • Assegura o devido processo legal por meio do contraditório e ampla defesa e não inverte, muitas vezes indiretamente, o ônus da prova que é sempre do requerente;
  • Positiva no direito brasileiro a desconsideração inversa da personalidade jurídica;
  • Sendo acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente;
  • Traz prestígio ao instituto, uma vez não poderá mais ser deferido por meio de simples despacho no meio do processo, devendo o requerimento comprovar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da autonomia patrimonial da personalidade jurídica;
  • Garante a dilação probatória, com a citação do requerido para apresentação de defesa, em 15 dias e para requerer a produção de provas cabíveis;
  • Prevê que da decisão da desconsideração da personalidade jurídica cabe agravo de instrumento, que teve suas hipóteses reduzidas no CPC de 2015, justamente para tornar mais célere o processo.

Assim sendo, o CPC de 2015 visou a garantia do devido processo legal e a segurança jurídica, evitando os abusos cometidos por alguns tribunais, que adotam a Teoria Menor, ou seja, desconsideram a personalidade jurídica, sem considerar se houve a concretização de uma das hipóteses das formulações objetiva ou subjetiva, presentes na Teoria Maior.

Vale salientar dois pontos, o primeiro ponto é que a lei processual precisa andar no mesmo seguimento que a lei substantiva, pois a necessidade de preenchimento dos pressupostos processuais, aliada à melhor doutrina, há de fazer com que os julgadores apliquem corretamente o instituto, aprimorando a legislações da melhor forma possível, pelo menos após a instauração do incidente.

Por outro viés, a legislação mais moderna já dispõe, da maneira mais devida, a desconsideração da personalidade jurídica, como se observa no artigo 14, da Lei Anticorrupção. Veja!

Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

Já o segundo ponto surge do Projeto de Código Comercial (PCC) que, ao nosso ver determinará, caso aprovado de forma correta o instituto, o prestígio ao empreendedorismo e cálculo empresarial, em seu artigo 128 e seguintes. No PCC deverá, também, ser provada a fraude, observando o devido processo legal.

Desta forma, a mera insuficiência de bens no patrimônio da sociedade empresária para satisfazer o direito de credor, não permitirá a desconsideração de sua personalidade jurídica, que necessita ser pontual, seguindo a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ).  

Para concluir, podemos dizer que as introduções do CPC de 2015, conciliam-se não apenas com as novas legislações, mas também com os princípios jurídicos, buscando a superação de conflitos advindos da má-fé.

Destaca-se, ainda, que a pessoa jurídica sempre será parte considerada legítima para se encontrar no litisconsórcio passivo, uma vez que é ela que foi possivelmente utilizada e, também, lesada por meio dos atos fraudulentos.

Quais os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica?

Para tratar dos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, antes devemos conferir o disposto no artigo 137 do CPC!

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Levando em consideração o exposto no dispositivo acima, cabe aclarar que uma das hipóteses de fraude à execução sucede quando o devedor, na pendência de demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, aliena ou onera seus bens na tentativa de se desprender de determinada obrigação.

Deste modo, caso o credor proponha demanda com o intuito de cobrar uma dívida e, ao mesmo tempo, requerer e for concedida a desconsideração da pessoa jurídica da qual o devedor é sócio, serão nulos todos os atos efetuados por este, na pendência do processo, que visem o desfazimento de seus bens. 

Portanto conclua-se que a norma prevê efeito retroativo, ex tunc, impedindo que os direitos do credor sejam alcançados pelos atos cometidos em fraude à execução.

Já em relação ao terceiro adquirente de boa-fé, nada obsta que este pleiteie, em ação de regresso contra o sócio, o ressarcimento dos valores pagos para aquisição do bem. Nessa situação, o terceiro adquirente ainda poderá requerer a desconsideração inversa da personalidade jurídica, objetivando atingir o patrimônio da sociedade caso se transforme em insolvente o sócio fraudador. 

Como pedir a desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC?

Para tratar de como deve ser solicitada a desconsideração da personalidade jurídica, é necessário observar o que preceitua o artigo 50 do Código Civil de 2002, veja!

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Assim, podemos afirmar que são legitimados a requerer o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, as partes envolvidas processualmente e o Ministério Público (MP), somente quando lhe couber intervir no processo, não podendo ser instaurado de ofício pelo juiz, exceto em processo trabalhista, em que o magistrado possui poderes para iniciar a execução de ofício, o que não é o caso, posto que o âmbito jurídico em enfoque neste artigo é outro, o CPC.

Como visto, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica deverá observar os pressupostos previstos em lei, sendo cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução, sendo que na ocasião da instauração do incidente, o processo deverá ficar suspenso.

Ainda, ao final, cabe lembrar que o acolhimento do pedido de desconsideração ocasionará que, a alienação ou a oneração de bens, existente em fraude de execução, será ineficaz com relação ao requerente, conforme o disposto no artigo 137 do CPC.

Em decorrência da mudança trazida pelo CPC, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento quanto ao requisito da comprovação de inexistência de bens do devedor.

A 4ª turma do referido órgão, em maio de 2018, relatou que a inexistência ou a não localização de bens da pessoa jurídica não caracteriza, por si só, quaisquer dos requisitos dispostos no artigo 50 do Código Civil, sendo imprescindível que ocorra a demonstração específica da prática objetiva de confusão patrimonial ou desvio de finalidade.

Segundo o relator, tal panorama da jurisprudência não sofreu alteração com a nova regra procedimental, ponderando ainda, que a inovação apresentada pelo CPC consistiu na previsão e regulamentação de procedimento próprio para a operacionalização do instituto de desconsideração da personalidade jurídica.

Logo, tem-se que além da constatação da insolvência não ser considera suficiente à desconsideração, a inexistência de bens do devedor não pode ser condição para a instauração do procedimento que objetiva a decretação da desconsideração da personalidade jurídica.

Em conclusão, sem a demonstração inequívoca do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, não há permissão legal para que seja instaurado o incidente processual, mesmo havendo pressuposto de insolvência na situação concreta.

Diante disso, nota-se que o incidente além de preconizar os princípios da Constituição Federal de 1988 e possibilitar ao sócio ou administrador que seja ouvido em 15 dias, assegura maior efetividade à celeridade e economia processual.

Ainda, se gostou da leitura, confira o artigo sobre o direito de imigração e compreenda a complexidade desta área!

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Autor
Foto - Eduardo Koetz
Eduardo Koetz

Eduardo Koetz é advogado, escritor, sócio e fundador da Koetz Advocacia e CEO da empresa de software jurídico Advbox.

Possui bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Possui tanto registros na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (OAB/SC 42.934, OAB/RS 73.409, OAB/PR 72.951, OAB/SP 435.266, OAB/MG 204.531, OAB/MG 204.531), como na Ordem dos Advogados de Portugal - OA ( OA/Portugal 69.512L).
É pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2011- 2012) e em Direito Tributário pela Escola Superior da Magistratura Federal ESMAFE (2013 - 2014).

Atua como um dos principais gestores da Koetz Advocacia realizando a supervisão e liderança em todos os setores do escritório. Em 2021, Eduardo publicou o livro intitulado: Otimizado - O escritório como empresa escalável pela editora Viseu.