Jurisprudência eleitoral: quem decide, como consultar e modelo
A cada ciclo eleitoral, o Brasil testemunha embates jurídicos cada vez mais complexos e inéditos. Com a evolução das estratégias de campanha, o uso massivo das redes sociais, e os novos formatos de desinformação, muitos dos conflitos não encontram solução direta na legislação vigente.
Nesses casos, é a jurisprudência eleitoral que se encarrega de oferecer parâmetros práticos e atualizados para questões sensíveis, como o abuso do poder religioso, a remoção de conteúdo digital em período de campanha, a paridade de gênero nas candidaturas e os limites da fidelidade partidária.
Acompanhe o texto para entender como esses entendimentos judiciais moldam o que pode e o que não pode em uma eleição.
Modelo de jurisprudência eleitoral
O presente modelo tem por objetivo servir como referência para fundamentar ações eleitorais que tratam do abuso de poder religioso, conduta reconhecida pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como apta a comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.
A partir do precedente firmado no REspe nº 0600387-46/SP, este modelo estrutura os principais argumentos jurídicos, fundamentos legais e elementos probatórios que podem ser utilizados em ações de investigação judicial eleitoral (AIJE), impugnações de mandato ou demais demandas em que se verifique a instrumentalização de estruturas religiosas em benefício de candidaturas. Veja abaixo:
Modelo de Jurisprudência Eleitoral: Abuso de Poder Religioso
I – DOS FATOS
[Descrever a participação do candidato em eventos religiosos, detalhando as circunstâncias, registros de vídeo, datas, falas de líderes religiosos e impacto eleitoral.]
II – DO DIREITO
2.1. Da caracterização do abuso de poder religioso
O Tribunal Superior Eleitoral já reconheceu a possibilidade de configuração de abuso de poder religioso quando há o uso reiterado e institucional da fé e da influência de líderes para interferir na liberdade do voto, especialmente com o uso da estrutura física e digital das igrejas para fins eleitorais.
2.2. Da jurisprudência aplicável
Destaca-se o precedente do REspe nº 0600387-46/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 23/08/2022, que assentou os seguintes critérios para caracterização do abuso:
- Atos sistemáticos e organizados de apoio;
- Pedido direto ou velado de votos;
- Influência sobre grande número de eleitores;
- Potencialidade para desequilibrar o pleito.
2.3. Da aplicação do art. 22 da LC 64/90
Nos termos do art. 22 da LC 64/90, comprovado o abuso, é cabível a cassação do diploma ou registro e a declaração de inelegibilidade.
III – DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
a) A procedência da presente ação para cassar o diploma do candidato eleito ao cargo de [Cargo], em razão de abuso de poder religioso;
b) A declaração de inelegibilidade do representado pelo prazo de 8 (oito) anos, nos termos da legislação eleitoral;
c) A comunicação da decisão à Justiça Eleitoral para os efeitos legais.
Termos em que pede deferimento.

O que é jurisprudência eleitoral?
A jurisprudência eleitoral é o conjunto de decisões reiteradas dos tribunais da Justiça Eleitoral, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral, sobre como interpretar e aplicar as normas que regem o processo eleitoral.
Mas, mais do que isso, ela é um guia para quem vive as eleições por dentro: candidatos, advogados, partidos e até juízes se baseiam nesses precedentes para entender o que é permitido ou proibido na corrida eleitoral.
Na prática, esse conjunto de interpretações preenche lacunas deixadas pela legislação, resolve controvérsias e contribui para a uniformização dos julgamentos em todo o país. Um bom exemplo é o reconhecimento do abuso da influência religiosa, mesmo sem previsão expressa na lei, o TSE passou a condenar esse ato com base em casos já analisados anteriormente.
Ou seja, quem atua no processo eleitoral precisa olhar também para como os tribunais vêm decidindo casos semelhantes. É esse histórico que orienta o que caracteriza propaganda irregular, em que situações um concorrente pode ser impedido e quais condutas colocam em risco a legitimidade do pleito.
Quem decide a jurisprudência eleitoral?
Quem decide a jurisprudência eleitoral é o próprio Poder Judiciário especializado, mas quem sente os efeitos dela, positivos ou negativos, é todo o ecossistema eleitoral: do eleitor ao candidato, passando por advogados, partidos, promotores e juízes de primeira instância.
Os entendimentos consolidados pelos órgãos da Justiça Eleitoral, especialmente pelo Tribunal Superior Eleitoral, formam a base interpretativa que orienta o processo eleitoral. Embora os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) também estabeleçam posicionamentos locais, é o TSE que costuma dar a palavra final em temas como inelegibilidade, registro de candidatura, condutas abusivas e campanha eleitoral.
O TSE atua como corte nacional unificadora, garantindo que um mesmo fato seja tratado de maneira semelhante em todos os estados, o que é essencial para a isonomia entre os concorrentes. É por isso que, mesmo quando a lei não muda, o entendimento jurisprudencial pode mudar o rumo de uma eleição.
Ao julgar recursos e ações eleitorais, os ministros do TSE consolidam teses jurídicas que servem de referência para casos semelhantes no futuro. Quando esses entendimentos se repetem e ganham estabilidade, transformam-se em jurisprudência. E, em alguns casos, são organizados como súmulas, com ainda mais força vinculante para as instâncias inferiores.
Onde consultar a jurisprudência eleitoral?
A jurisprudência eleitoral deve ser consultada diretamente nas bases oficiais da Justiça Eleitoral, com destaque para dois canais principais: o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais. Veja abaixo como fazer a consulta.
No Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
O TSE é a instância máxima da Justiça Eleitoral e, por isso, suas deliberações formam a base das principais teses jurisprudenciais que orientam o país inteiro. No site oficial do TSE, há uma seção dedicada à pesquisa de decisões, onde é possível encontrar acórdãos, manifestações individuais dos ministros e súmulas. A busca é feita por número do processo, palavras-chave, tema, relator ou tribunal de origem.
Além disso, ele disponibiliza:
- Pesquisa de jurisprudência unificada;
- Súmulas eleitorais organizadas por tema;
- Boletins e informativos com análises comentadas dos julgados.
Para quem atua no contencioso eleitoral, é a fonte primária de consulta.
Nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs)
Cada estado possui seu próprio Tribunal Regional Eleitoral, e os TREs também formam jurisprudência local, especialmente sobre casos que não chegam ao TSE. Por isso, é ideal consultar o TRE do seu estado para entender como aquela Corte tem decidido temas específicos.
Os sites dos TREs geralmente disponibilizam áreas específicas para pesquisa de julgados, e muitos já permitem:
- Busca por classe processual (ex: AIJE, AIME, DRAP);
- Filtros por data, relator, município e tipo de decisão;
- Visualização dos julgados em PDF ou HTML.
Essa pesquisa regional serve, por exemplo, quando se quer avaliar o posicionamento atual da Corte local sobre condutas abusivas, propaganda irregular ou indeferimentos por filiação partidária, antes mesmo que o TSE se manifeste.
Quais os principais temas de jurisprudência eleitoral?
Os principais temas de jurisprudência eleitoral giram em torno dos pontos mais sensíveis e disputados do processo eleitoral, como o abuso de poder, a propaganda irregular e a prestação de contas de campanha, especialmente naquelas situações em que a legislação é genérica, omissa ou sujeita a múltiplas interpretações.
Na prática, é a jurisprudência que define os limites entre o que é permitido e o que compromete a legitimidade do pleito. Abaixo, estão os temas mais recorrentes e relevantes.
Registro de candidatura e inelegibilidades
Envolve questões como a aplicação da Lei da Ficha Limpa, análise de decisões que rejeitam contas públicas, prazos de desincompatibilização, filiação partidária válida e domicílio eleitoral. A jurisprudência define, por exemplo, quando uma condenação por improbidade gera inelegibilidade, mesmo sem trânsito em julgado na esfera penal.
Abuso de poder (econômico, político, midiático e religioso)
O TSE tem ampliado sua interpretação sobre práticas que desequilibram a disputa eleitoral. Inclui o uso indevido da máquina pública, distribuição de benefícios sociais com fins eleitorais, manipulação da fé em espaços religiosos e o uso direcionado de mídias para influenciar o eleitor.
A interferência de lideranças religiosas em favor de candidaturas, por exemplo, passou a ser considerada de forma autônoma e punida com severidade, podendo levar à cassação de registros e diplomas.
Propaganda eleitoral (irregular, antecipada, negativa e nas redes sociais)
É um dos temas com maior volume de julgamentos a cada eleição. A jurisprudência define os limites da liberdade de expressão política, o que caracteriza propaganda antecipada, o que é ofensa pessoal ou crítica legítima, além de orientar sobre remoção de conteúdo nas redes sociais, impulsionamento irregular e fake news.
Condutas vedadas a agentes públicos
A legislação eleitoral proíbe agentes públicos de usarem a estrutura do Estado para obter vantagens no pleito. A jurisprudência detalha o que configura distribuição ilegal de bens, uso de veículos oficiais, contratação de servidores temporários em ano eleitoral ou publicidade institucional que exalte gestões em período vedado.
Cotas de gênero e fraudes em candidaturas femininas
O Tribunal Superior Eleitoral tem adotado postura firme contra candidaturas fictícias usadas apenas para preencher a cota mínima de mulheres. Quando há comprovação de fraude, é permitida a cassação de toda a chapa proporcional, mesmo que os beneficiados aleguem desconhecimento da irregularidade.
Fidelidade partidária e justa causa para desfiliação
Define em que situações um parlamentar consegue trocar de partido sem perder o mandato. A jurisprudência reconhece como justa causa a incorporação da legenda, grave discriminação pessoal ou mudança substancial no programa partidário. É tema comum em ações de perda de mandato eletivo.
Arrecadação e prestação de contas de campanha
Trata da análise das despesas e receitas de campanha, com jurisprudência que aponta quais irregularidades são formais e quais têm potencial de comprometer a legitimidade do pleito. A desaprovação de contas pode gerar multa, inelegibilidade ou até cassação, a depender da gravidade.
Como a jurisprudência influencia as eleições e os processos eleitorais?
A jurisprudência eleitoral influencia antes, durante e depois da eleição. Isso porque ela define o que é permitido, o que é proibido e quais as consequências de determinadas condutas, mesmo quando a lei é silenciosa. Na prática:
- Um candidato pode ter o registro indeferido com base em precedentes relacionados à inelegibilidade;
- Vídeos de campanha são frequentemente retirados do ar em poucas horas, amparados por decisões sobre desinformação ou discurso de ódio;
- Mandatos chegam a ser cassados após a eleição, quando há abuso comprovado conforme entendimento do TSE;
- Ações por fraude na cota de gênero têm o poder de anular toda a chapa proporcional, afetando diretamente os eleitos vinculados à nominata irregular.
Conclusão
O cenário eleitoral é complexo e, muitas vezes, marcado por disputas acirradas em que os limites da legalidade são constantemente testados.
Nesse contexto, os entendimentos consolidados pelos tribunais funcionam como um sistema vivo de regulação: corrigem excessos, estabilizam controvérsias e mantêm o equilíbrio necessário entre liberdade política e responsabilidade institucional.
Para quem atua nas eleições, seja como advogado, juiz, servidor, candidato ou assessor, compreender e acompanhar a jurisprudência significa antecipar riscos, tomar decisões mais seguras e preservar a integridade do processo eleitoral. Mais do que conhecer a norma, é preciso entender como ela é aplicada.
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