O princípio da insignificância é um dos mais conhecidos entre os juristas, sendo amplamente discutido e utilizado principalmente por aqueles que atuam na área do Direito Penal.
De fato, estudá-lo é de extrema importância para garantir justiça e defender quem precisa em momentos em que ele pode ser aplicado. Embora pareça um assunto simples, a verdade é que muitos podem não entendê-lo de fato na prática. Ademais, é comum existir desavenças em relação ao tema.
Aproveite esse artigo para entender o que é o princípio da insignificância, para que ele serve e como ele é aplicado no judiciário!
O que é o princípio da insignificância?
O princípio da insignificância, muito conhecido também como princípio da bagatela, é um princípio jurídico, aplicado na esfera penal. O objetivo dele é afastar a tipicidade penal em situações em que um delito é cometido.
Em outras palavras, esse princípio descaracteriza um ato considerado criminoso pelo fato de o impacto e o resultado danoso ter sido insignificante. Sendo assim, o ato é destituído de sua tipicidade, isentando o autor da pena imposta pelo delito.
Embora seja muito importante e utilizado na prática, não é possível encontrá-lo na legislação, assim como outros princípios do direito. Contudo, é bastante utilizado em decisões jurisprudenciais nas quais seja possível enquadrá-lo. Logo, trata-se de um princípio doutrinário.
Ademais, ele tem respaldo em outro princípio presente no ordenamento jurídico brasileiro: o da intervenção mínima. Este último determina que o direito penal deve ser aplicado somente como última alternativa, evitando-se, assim, que o Estado tenha um papel punitivista na sociedade.
Nesse sentido, é preciso resolver certas condutas ilícitas de outras maneiras além do Direito Penal, deixando que o poder punitivo do Estado seja aplicado quando não houver alternativa, para tratar do encarceramento e da privação de liberdade do sujeito que praticou o crime em última instância.
Em suma, entenda que o princípio da bagatela descaracteriza a tipicidade penal de um ato ilícito por ser insignificante para o poder judiciário, que entende que a pena seria desproporcionalmente maior em relação ao crime praticado.
Como surgiu esse princípio?
Estima-se que o princípio da insignificância tenha surgido após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Nesse período, devido à piora nas condições de vida de quem sobreviveu e permaneceu no local, era comum que pessoas praticassem pequenos furtos no continente europeu, inclusive como forma de sobrevivência.
Logo, o princípio veio como uma resposta para proteger bens materiais valorados economicamente.
Furtos de bens considerados de baixo valor sempre ocorreram. Em muitos lugares e em épocas distintas, essa conduta resultava em uma pena desproporcionalmente maior ao delito cometido, sendo até injustas.
Em uma sociedade moderna, com o Estado tendo que lidar com diversos problemas de gravidades distintas, esse princípio contribui para desafogar o poder judiciário da quantidade de processos que precisa julgar, bem como auxilia o poder punitivo do Estado a dar atenção ao que realmente importa.
Princípio da insignificância e crime de bagatela: existe diferença?
Para alguns estudiosos, existe uma distinção considerável entre o princípio da insignificância e o delito de bagatela. Conforme Maurício Antônio Ribeiro Lopes:
“É enorme a distância entre os conceitos, desta forma, a lesão caracterizada medicamente como um mero eritema (que causa um simples rubor na vítima), conquanto possa ser registrada por perícia imediata ou confirmada por testemunhas, é de significação ridícula para justificar-se a imposição de pena criminal face à não adequação típica da mesma, posto que a noção de tipicidade, modernamente, engloba um valor lesivo concreto e relevante para a ordem social. Assim, nesse caso, tem-se a inexistência da tipicidade do crime face à incidência do princípio da insignificância por falta de qualidade do resultado lesivo. Não há crime.“
Conforme o mesmo autor, o crime de bagatela, por outro lado:
“A lesão corporal, por sua vez, que provoca na vítima incapacidade para suas ocupações habituais por uma ou duas semanas, ou que tenha perturbado temporariamente o funcionamento de membro, órgão, sentido, função – e que, portanto, jamais poderia ser reputada insignificante – pode dispor de um modelo processual mais célere, condicionando-se, mesmo, a iniciativa da ação penal à vítima, ou, deferindo o perdão judicial nos casos em que houver pronta e justa reparação do dano, poderá ser considerada como crime de bagatela.”
Ou seja, nos casos em que o princípio da insignificância é aplicado, é como se não tivesse ocorrido o crime.
Por outro lado, o crime de bagatela, trata-se de um ato que nem sempre pode ser considerado insignificante. No entanto, ele não causa um resultado danoso como um crime de maior potencial ofensivo. Por isso, poderia dispor de um processo mais célere, sendo cabível, inclusive, o perdão judicial em casos em que houve a reparação do dano.
Para que serve o princípio da bagatela?
O princípio da bagatela, de certa forma, contribui para que o Estado foque nos casos em que realmente precisa de uma solução e resposta ao crime cometido.
Dessa forma, evita-se que o judiciário utilize o seu tempo para tratar de questões consideradas insignificantes. Isso também contribui para desafogar o judiciário, que pode despender sua atenção ao que realmente é necessário.
Ademais, o princípio serve para evitar penas altas para um ato que praticamente não ocasionou danos à vítima ou a sociedade, de modo geral.
Para compreender, veja um exemplo. Imagine que um homem furtou um saco de arroz e um saco de feijão de um estabelecimento comercial. Conforme o artigo 155 do Código Penal, que trata desse delito, a pena para quem o pratica é de reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Diante do cenário, é possível perceber que recolher essa pessoa a um estabelecimento prisional por um a quatro anos seria um exagero, certo? Seria até injusto, visto que o delito sequer representa um risco para a sociedade e nem ocasionou dano à vítima, de modo geral.
Nesse sentido, o próprio poder judiciário pode aplicar o princípio da insignificância por ser insensato julgar um processo e dar uma pena de reclusão para alguém que furtou um quilo de arroz e um quilo de feijão.
No exemplo acima, a pena de uma a quatro anos de reclusão é muito acima para o delito praticado. Assim, ao aplicar o princípio, excluiria-se a tipicidade do crime, fazendo com que o autor seja “absolvido” e não responda pelo que cometeu.
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Quais são os requisitos da insignificância?
Para poder ser enquadrado em uma situação em que cabe o princípio da bagatela na prática, é preciso verificar alguns requisitos para que a tipicidade material do delito seja excluída. Confira quais são eles abaixo.
1. O delito não representa um perigo para a sociedade
O delito cometido pelo autor não coloca ninguém em perigo, nem mesmo provoca um potencial perigo social para as pessoas.
2. A conduta é pouquíssima ou nada ofensiva
O crime cometido pelo autor não ofende a moral ou não causa prejuízos físicos à pessoa prejudicada e nem à sociedade, sendo inofensivo a todos.
3. A conduta é pouco reprovável
Mesmo que o ato praticado esteja previsto em lei ou na jurisprudência como um crime, ele é pouco ou nada reprovável socialmente, a ponto de ser insignificante e de não exigir uma punição.
Lembre-se do exemplo dado anteriormente. Mesmo que tenha ocorrido o furto de um saco de arroz e de um saco de feijão de um estabelecimento, a ação não é reprovável socialmente, visto que se trata de alimentos e o autor pode estar passando por extrema necessidade. Ademais, o ato não causa dano a ninguém.
4. A lesão jurídica é inexpressiva
Por fim, para se enquadrar no princípio da insignificância, o crime cometido deve apresentar uma lesão jurídica inexpressiva. Ou seja, a lesão causada não causa dano à vida, à integridade física, moral e psicológica das pessoas, tampouco ao patrimônio e ao Estado.
Quais são os efeitos da bagatela?
Como você percebeu ao longo da leitura desse artigo, o princípio da bagatela exclui a tipicidade material do ato criminoso, extinguindo, assim, o próprio delito.
Na prática, isso determina que o autor do ato delituoso seja absolvido, fazendo com que o crime que praticou não seja registrado como tal, tirando a necessidade do sujeito de cumprir uma pena.
Assim, quando o princípio da insignificância é aplicado, o processo penal que se originou é extinguido por compreender que não há crime na conduta praticada.
Quando a insignificância pode ser aplicada?
O princípio da insignificância pode ser aplicado em toda e qualquer situação em que estejam presentes os quatro requisitos mencionados anteriormente. Inclusive, aconselha-se que ele seja refutado em todo e qualquer caso em que não haja dano para a vítima ou para a sociedade.
Os casos de furto simples são os mais comuns. Contudo, é possível aplicá-los em situações de lesão corporal leve como: empurrões, beliscões, dentre outras em que o resultado não é danoso para a vítima e em crimes como descaminho, quando o montante não ultrapassa valores considerados exorbitantes.
Quando o princípio não pode ser aplicado?
É importante lembrar que um crime punível deve apresentar três requisitos. São eles:
- ser fato típico;
- ser fato antijurídico;
- ser imputável.
Sendo assim, não se fala em princípio da insignificância em atos que não são tipificados como crime na sociedade.
Em relação às ações tipificadas como crime, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que o princípio em questão não se aplica a crimes que envolvem tráfico de drogas, falsificação e que contenham violência ou grave ameaça à pessoa.
Por ser um princípio utilizado em entendimentos jurisprudenciais, a interpretação sobre a sua aplicação pode mudar conforme o tempo. Por exemplo, já houve discussão sobre a aplicação do princípio da bagatela em casos em que o sujeito portava uma quantidade pequena de drogas, provavelmente para consumo próprio.
Como o judiciário lida com esse princípio?
Embora o princípio seja conhecido e aplicado em diversas situações, infelizmente não existe um consenso sobre o que deve ser julgado pelo poder estatal e o que deve ser considerado como insignificante.
Logo, em diversos casos, o que se entende por insignificante acaba sendo muito relativo e depende do juiz responsável pela decisão. Por isso, é possível encontrar sentenças que destoam entre si. Isso é bastante negativo, visto que prejudica a segurança jurídica da população, que acaba dependendo do entendimento pessoal do magistrado sobre o tema.
É possível encontrar, por exemplo, casos em que o furto de alguns alimentos foram tratados sob o princípio da bagatela. Contudo, em outras situações similares, o fato foi julgado com a rigidez de um processo penal, levando ao encarceramento.
Um exemplo dessa injustiça é o caso da mãe que furtou dois pacotes de fraldas e uma lata de leite em pó em um supermercado, na qual a autora foi condenada à prisão por dois anos e quatro meses. Inclusive, esse caso foi levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) , que poderia utilizar o seu tempo para lidar com questões mais importantes em vez de discutir um caso em que o princípio claramente deveria ter sido aplicado desde o início.
Esse exemplo demonstra claramente que a autora se encontrava em estado de necessidade e desamparo. No entanto, a condenação foi mantida, até que finalmente o STJ a absolveu do caso.
Decisões assim levam a injustiça e principalmente, contribui para o encarceramento em massa, principalmente de pessoas pobres e marginalizadas socialmente.
Os magistrados devem julgar conforme a lei e a jurisprudência. Contudo, o que se vê na prática é que alguns decidem conforme a sua própria opinião.
Isso faz com que alguns casos similares sejam julgados de forma desproporcional, pois enquanto que um entende que o princípio deve ser aplicado, outro compreende que todo e qualquer ato criminoso, mesmo que seja insignificante, deve ser punido de forma rigorosa.
Como o princípio é aplicado em caso de réu reincidente?
O réu reincidente é aquele que já havia praticado algum delito anteriormente, mas volta a praticar outro. Pessoas que já possuem uma ficha criminal e já cometeram atos ilícitos no passado podem ter mais dificuldade em ver o princípio da insignificância ser aplicado ao seu novo caso.
Entretanto, conforme entendimento adotado pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), o princípio da insignificância se aplica mesmo em caso de reincidência do réu, quando este já havia praticado outro ato delituoso em que o princípio foi aplicado.
A ministra afirma também que a aplicação em caso de reincidência deve ser feita caso a caso, envolvendo um juízo mais abrangente do que apenas o resultado lesivo da conduta.
Perguntas frequentes
Veja abaixo algumas perguntas frequentes em relação ao princípio da insignificância!
O que diz o princípio da insignificância?
O princípio da insignificância defende que o direito penal não deve se preocupar com condutas em que o resultado é insignificante, ou seja, que não são graves a ponto de existir a necessidade de punição do agente e nem de recorrer aos meios judiciais.
O que o princípio da insignificância exclui?
O princípio da insignificância exclui a tipicidade da conduta penal, excluindo-se, assim, o crime. Dessa forma, é como se a conduta não tivesse acontecido.
Quais são os 4 requisitos objetivos do princípio da insignificância?
Os 4 requisitos do princípio da insignificância são:
- Mínima ofensividade da conduta praticada;
- Periculosidade social baixíssima ou nula;
- O grau de reprovabilidade da conduta é baixa ou praticamente nula;
- A lesão jurídica provocada é inexpressiva.
Quem pode aplicar o princípio da insignificância?
O princípio da bagatela pode ser aplicado em sede policial pelo Delegado de Polícia, por exemplo. Além disso, quando a ação penal se iniciou e está em curso, o defensor público ou advogado de defesa e o próprio Ministério Público podem solicitar pela aplicação do princípio. Por fim, o próprio juiz responsável pela causa pode aplicá-lo.
O princípio da insignificância, embora pareça simples, pode ter diferentes interpretações e aplicações práticas. Inclusive, não é incomum encontrar entendimentos diferentes, principalmente na prática judiciária.
Trata-se de um importante instrumento que contribui para manter o poder do Estado voltado para os atos que realmente precisam de atenção e principalmente, evita penas absurdas para atos insignificantes, além do encarceramento em massa.
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